Ensaio
de uma vida anunciada
Se
o Sol explodisse agora, só teríamos conhecimento do fato após oito
minutos, porque é o tempo que sua luz leva para viajar até nós.
Por longos oito minutos o mundo ainda estaria no lugar, iluminado e
quente, seguindo seu fluxo habitual. Então haveria um flash... e
depois viria a onda de choque, radiação, calor, ondas
eletromagnéticas... e tudo deixaria de ser. Mas se alguém pudesse
saber disso no instante em que ocorresse, o que faria nestes oito
minutos restantes? Ligaria para alguém que fosse importante para
ela; abraçaria um estranho na rua; escreveria um breve poema; iria
chorar e se arrepender de coisas que fez; iria chorar e se arrepender
de coisas que não fez; desejaria simplesmente caminhar de mãos
dadas nestes últimos instantes; contemplaria o céu admirando sua
beleza, sabendo que era a última coisa que iria ver; desejaria poder
beijar alguém em que houvesse amor verdadeiro; tomaria um sorvete;
ficaria nu; gritaria desesperada ou calmamente se permitiria sentar
e esperar o espetáculo final?
Para onde caminhamos,
para onde estamos indo, ainda é uma pergunta em aberto. Mas penso
que deveríamos ter o bom senso de questionarmos mais sobre tudo o
que nos ensinaram até agora. Sobre o status
quo
determinado pela sociedade e a forma como temos vivido. Tem valido a
pena? Somos felizes com toda a tecnologia disponível, o materialismo
e os padrões impostos? Ou vivemos angustiados, sem entendermos a
inconsistência dos atos dos homens e suas consequentes mazelas? Sem
compreender o porque de mesmo tendo tanto, sentimos um profundo
vazio? Este todo que temos e que ainda é muito pouco, pelo pouco que
intuímos necessitar realmente.
Há tanta intolerância, tanto descaso pela vida
humana, tanta preocupação com o próprio bem estar que não medimos
as consequências dos atos na busca desenfreada pela ganância e pelo
lucro. Mas não compartilhamos todos da mesma terra, do mesmo sangue?
Não deveríamos caminhar juntos ao invés de correr atabalhoadamente
batendo cabeças? Fatos que nos levam a considerar a possibilidade de
caminharmos rumo a autodestruição, sem nenhum controle próprio,
como meros passageiros em um carro sem volante e sem freios descendo
ladeira abaixo.
Não há nada na história do homem que se compare ao
modo como a consciência é controlada hoje. A ciência moderna e o
capital dizem que não há tempo para se perder. Tudo é racional e
prático. E o sagrado; e o divino que se esconde em nós; e os sonhos
grandes e pequenos; e os devaneios de quem deseja tão somente amar e
ser amado? São futilidades. A menos que se possam monetizá-los de
alguma forma, não tem valor algum. Claro, sonhos não enchem
barriga... mas tampouco o dinheiro enche a alma com aquilo que é
realmente essencial. Não poderá existir então um meio termo? Uma
forma de nos alimentarmos de proteínas para o corpo e porções de
alegria para nosso espírito?
Tudo é fictício do prisma em que enxergamos hoje.
Todas as pessoas e acontecimentos históricos, os tratados, as
convenções, os ritos de passagem e os gritos de falsa liberdade
... pura efemeridade. A que se entender que isto não é uma
brincadeira com o sofrimento de quem crê apenas no substancial da
matéria. A realidade acachapante do cotidiano que se vivencia é
prova disto. Vivemos amordaçados e vendados, e isto é cruel. Mas
se quisermos um dia sermos livres para um julgamento íntimo
renovador, devemos nos ater às leis próprias do universo e sabermos
do imenso potencial de mudança, isto é, sabermos de nós, com
nossas infintas possibilidades.
É por isso que existimos. E há isso nos apegamos. No
desejo de acreditar nas pessoas. De confiar. E é assim que muitas
vezes nos machucamos. Na constatação do entendimento de que só
acreditar não basta – precisamos querer ver a verdade, descerrar
os véus! E as vezes precisamos deixar as pessoas irem embora, muitas
vezes para nunca mais voltarem. Não adianta querer segurar aquilo
que não nos compete suplantar. Isto só irá nos atrasar e fazer com
o outro se atrase. Porque inevitavelmente um dia todos iremos “ver”.
Tudo é questão de tempo. O eterno tempo. Mas existem certas coisas
que não podem ser ensinadas. Cada um precisa aprender por si. Só
assim podem acreditar. Talvez, em um momento em que tenham mais
passado do que futuro, entendam. Mas aí já pode ser tarde demais
para se caminhar juntos. As estradas podem conduzir ao mesmo lugar,
mas as rotas são diferentes.
Porém, contradizendo todo o pessimismo que possa
transparecer, sinto que uma mudança parece estar ocorrendo, e ela
está longe da ganância, do materialismo, do ego e do lucro. Alguns
já estão reconhecendo outras dimensões da existência, muito mais
importantes do que acumular riquezas materiais e bens. Mas seremos
suficientes para mudarmos os rumos dos acontecimentos? Acredito que
quando se mudar essa perspectiva de vida em uma escala maior, a
mudança será total. E para mudar, precisamos começar a transformar
nosso interior.
Todos, em maior ou menor grau, sonhamos com viagens ao
Universo de nosso mundo interior. O misterioso caminho que nos conduz
as reentrâncias sombrias de nosso interior. Ainda que os caminhos se
mostrem falhos; sedentos de sangue e sacrifício; teremos que nos
dispor a entregar o melhor de nós mesmos; seguindo e sobrepujando as
maiores crueldades em favor do insano triunfo da alma humana sobre a
miséria do homem. Aceitando em nosso foro íntimo todas as
considerações erradas acerca da vida que se mostram nos seres que
são da nossa própria espécie; a banalidade do racionalismo
científico perante as questões mais profundas do Ser e o ostracismo
barroco dos rituais de massa. Porque grande é a vitória do
acreditar... de sua vitória sobre a falsidade, o descrer e a
intolerância. E mesmo tendo sangue em nossas mãos, é preciso
buscar a pureza compartilhada que possa nos dar um novo conceito de
vida, longe dos rancores e violências.
Penso que os nossos oito minutos estão se esgotando.
Teremos que agir agora! Talvez, se estivermos coadunados com o
Universo, esta destruição que se avizinha seja apenas a porta para
uma nova consciência global de paz e prosperidade. Enquanto isso,
por via das dúvidas, vou tomar um sorvete, andar nu, declamar um
pequeno poema, abraçar um estranho e lhe dizer coisas que valham,
contemplar o entardecer com os olhos do espírito, não reclamar e
nem chorar, beijar o mais que possa alguém que tenha em profundidade
o amor como condição de vida. Assim, não importa o que aconteça,
poderei dizer: Tudo, absolutamente tudo, valeu a pena...
(R. Moran)
da série: Coisas a dizer (para quem foi e quem vem depois)