Há
quantos oceanos atravessei? Por quantas tempestades me perdi, e
fustigado pelas ondas quase sucumbi?
Hoje me
encontro na ponte do navio, a contemplar o furioso de espumas de mais
uma tormenta que me colhe. De ventos cortantes como adagas que batem
em minha face, que me sangram, sacodem meu navegar e me lançam a
rumos incertos. De mãos crispadas ao leme a procurar tenência no
rumo. De noites sucessivas sem estrelas onde não me guio por tua
luz, apenas pelas lembranças do que tinha como caminho certo.
Desejoso de um pouco de calmo singrar, de paz nas contendas d'alma,
de um porto ao menos que me desse um pouco de guarida deste furacão
marítimo que hora atravesso. Mas receoso de me aproximar da costa
que não adivinho, de ser lançado de encontro as barreiras de
falácias coral, esfacelando o pouco que resta de mim ainda inteiro.
Sinto erroneamente que me fizestes mais mal do que bem, posto que sou
falho e não tenho medidas agora para me dizer o contrário. Por
enquanto...
Que com
tua insensatez desprezastes o que tinha de mais nobre em mim em nome
de um pretenso amor que destrói e arrasa. Que inconsequentemente
tomastes decisões que afetavam a mim muito mais profundamente do que
sequer sua vã filosofia possa imaginar. Que depois de me lançar ao
mar contigo, simplesmente abandonastes o barco deixando-me preso
nesta tempestade de látegos de chuva, raios e fosforescências
invernais. Egoísmo! De quem comodamente, ou por covardia, preferiu
se obliterar em falsos conceitos morais de pureza... enquanto outra
parte desprezava teu semelhante nas diferenças, no conhecer, nos
gostos, nas opções de vida, sexuais, na segregação daquilo que te
dizem não ser compatível de professar a fé como a cada um lhe
convêm. Na ignorância de não querer ver o que nos foi dado
gratuitamente, o quão ricos fomos abençoados e tão barato fizestes
questão de vender. Ou deixar perder...
Não
tenho esperanças próximas de me desvencilhar deste fragoroso
temporal. Mas sigo, pois nunca se sabe aquilo que podemos aprender
com todo esse oceano tempestuoso. E por mais que eu queira, a
despeito dos riscos, não vejo costa onde possa repousar meu espírito
extenuado. Adinâmico estou em tentar manter flutuando este barco de
existências em que me formei. Que tem os porões pesados; não de
tralhas; de ricos tesouros acumulados que agora ameaçam ir ao fundo
sem que seja dada a oportunidade de virem de dentro para fora brilhar
enluarados pelo imenso espelho d'água deste incalculado oceano.
Minto!
Ainda tenho dentro, junto e misturado a estas riquezas a dor. A
tristeza agora compreendida; não por que partistes; mas pela solidão
em que me deixaste no momento em que mais necessitava. Solidão que
assola acachapante, que saboreio com o travor e a amargura própria
de verde laranja marinha... sabedor que um dia irá amadurecer e se
fazer doce. Mas que agora; e aos que como eu dominados pela dor;
existirá somente um instante de se lançar ao esquecimento, no
melhor momento em que o abismo que se abre entre as vagas das
monumentais ondas que se erguem dessa tempestade permitirem. E ali
abandonar esta carga de fel, para que as águas revoltas a engulam
para não mais voltar.
Percebo
agora o quão amargo estou. Amargo da língua, amargo da alma, amargo
de solidão. Mas sou pertinaz. Não me acovardo diante do
desconhecido solitário deste oceano bruto. Sinto fome de viver,
sinto vontade de cantar por sobre o grito da tempestade, sinto
ímpetos de esbravejar ao nada de tua alma que me cerca que não me
entregarei, sinto desejos de sorver o Tudo deste desmedido que me
envolve e regurgitar em poesia o meu sangue vertido em esperança...
de, num novo amanhã, poder ter a quem amar. Alguém que
saiba reconhecer o brilho d'alma e dar valor ao que realmente importa...
E nisto
vejo a doçura que ainda trago dentro de mim. Nisto reside minha
fortaleza, minha fé, minha esperança. Em saber que; ainda que
perdido; sou comandante deste almirantado navio que sangra mas
singra. Que as mãos que me conduzem pelo desconhecido serão as
mesmas mãos que um dia irão tomar as tuas e nelas depositar meu
canto, minha poesia, minha vida. A este alguém que está por vir
confio no farol que finalmente me guiará a liberdade desta noite
insone.
Mas que
fique claro! Ficaremos em terra o tempo suficiente para aplacarmos a
sede da alma, para reorganizarmos os porões do navio na certeza de
colhermos mais riquezas de vida, para limparmos as cracas do casco
martirizado pelas explosões de ondas, para nos reabastecermos de
saber e valores verdadeiros; para então podermos; juntos;
retornarmos ao absoluto Mar. Posto que fui picado por teu fascínio
conhecido desconhecido de novas águas; que fui viciado em teu cheiro
de maresia espacial; que passei a respeitar e amar tua fúria
contida, noutras nem tanto. Que estacionar em terra não é mais
opção; é abandono e morte de um espírito guerreiro. Por oceanos
velhos conhecidos e principalmente pelos novos que se descortinam é
que singraremos.Esta será nossa casa; azul de mar e céu, branca de espumas de ondas; colorida de beijos rubros e ares madrigais. Muito há que se fazer, nuito mais o que se descobrir...
(R. Moran)
*este texto foi escrito na terça-feira, 13/12, em um momento de certo amargor e atribulação. Depois de pronto, não tive disposição para publicá-lo naquele momento. Acabei recorrendo a um texto um pouco mais antigo que também aguardava sua vez. Mas hoje me sinto mais confortável, e então o entrego a todos que; sofrendo; não perdem jamais a ternura e a esperança de que é possível seguirmos a despeito do que nos façam mal, seguirmos ainda que nos digam não, pois que a nós só resta a certeza do Sim.
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Gostei do texto, muito bem escrito, triste, amargo, mas ao final ,na explicação podemos ver ternura! abraços,chica
ResponderExcluirMoran,sempre precisamos retomar o nosso caminho,mesmo que ás vezes seja necessário ancorar um pouco!Lindo e tocante texto!Bjs,
ResponderExcluirQue coincidência bacana: falarmos de mar num mesmo dia, embora, tenhas escrito seu texto anteriormente,
ResponderExcluirEu ainda sofro desses naufrágios, do cheiro da maresias, dos dias em alto mar e dias de terra firme,
Mas creio, quando um barco não resiste a uma tempestade, depois de inúmeras outras já vencidas, é porque cumpriu sua missão,
Assim, não posso, ou não sei dizer se partiu sem mim, se abandonei o leme, ou se encalhamos num coral, pra virar um bonito conto,
Mas penso em quanto valeu a pena, e por gostar tanto do mar, e amar tanto, juntei os dois A-Mar, e te deixo, livremente ir,
**Depois desses meus devaneios, peço licença pra entrar,
Bjkas
“Glória dos Mares”. Glória de amares...
ResponderExcluirFechando de forma sensacional!Beijos