terça-feira, 20 de dezembro de 2011

"O Amor requer prática"


(... da série: Coisas a dizer... para alguém que está por vir.)

O amor é sempre um ato de altruísmo. O ato de amar nasce do doar-se, como o carvão nasce do fogo. Cada amor que nasce, surgido da dor e do cativeiro opressivo de um coração que anseia, é uma história com capítulos, prantos, risos, solidão e desencontros. Quero com isso entrar na possessão infinita de tudo que existe. Da necessidade que temos de nos saber amados. E para isso precisamos entender que não devemos buscar o amor; temos que ser o próprio amor.

Os falsos moralistas, os intransigentes secos por dentro e os ditadores religiosos ensandecidos de ódio, buscam o amor para corrompê-lo, queimá-lo e transformarem-no em pó de estrada. Onde os pés caminham, e pisando não sabem a dor que se avizinha em cada passo, em cada lágrima derramada. Os poetas, loucos e amantes o buscam pela beleza, pelo frêmito e pelo gozo. Ama-me a diversidade da vida; a vida que surge de um novo amor. Seu suave colorido, seu ar madrigal de quem já não tem pressa, a fruta madura diferenciada em toda sua latitude. Mas há que se cuidar, posto que o amor é chama, e como tal pode se apagar. É como um cristal fino, de delicadas formas, que no entanto se quebra quando cai. Mas que jamais morre! Podem encarcerá-lo, ter sua face cuspida e escarnecida, podem molestá-lo e arrastá-lo pelas ruas e avenidas, jogado ao alto mar para que se afogue, dar-lhe uma punhalada certeira no peito e uma salva de tiros... e ainda assim ele sai de todos estes episódios reorganizado em suave taça transbordante, ardendo em uma nova chama e ensejando um novo olhar de patética singeleza.

O amor nasce pequeno. Não devemos confundi-lo com a avassaladora paixão dos amantes, com o ímpeto ressonante dos carnavais, com o arroubo de fé dos combalidos em busca do divino. O amor sempre nasce pequeno! E somos sós ao seu nascer, mas desmedidos insaciáveis que somos por natureza, buscamos seu alimento já nos primeiros segundos de vida. E dele não queremos desapegar. Quando não o temos a nosso prazer, sentimo-nos desamparados e – torpes mesquinhos – desiludidos. Por isso dizemos que o amor é também um vício, que como tal necessita tratamento. Mais que isso, entendimento. Não escolhemos amar alguém por suas posses, sua educação, ou elegância, embora estes possam ser seus instrumentos. Não amamos alguém por seu encanto ou beleza, embora ambos sejam seus servidores. Amamos pelo mistério que ele nos traz, pelo cheiro que inebria, pelo sorriso que nos olha e desperta a fragilidade que há em todos nós. Amamos por assim dizer; pela voz que nos cativa; pela paz ou tormento que ele nos traz. A despeito do que dizem os filósofos e os intelectuais, ama-se pelo que o amor tem de indefinível, de indízivel. Mas não de incomensurável... Ele pode ser medido em sua justa forma, na maneira com que nos contempla por trás do espelho. É quando nos deparamos com nossa imagem reflexa e ela nos diz que estamos irremediavelmente apaixonados por alguém. Este é o berço do amor, sua primeira infância.

E com ele vem a crise do nascimento, no começo alarmante e alarmado do terror metafísico de onde brota o manancial da necessidade de se buscar uma identidade, uma face para o amor. O mesmo manancial que deixa escorrer entre pedras o ciúme leitoso, o ardil de egoísta possessão do que não se deve prender. Por que fazemos isso? Porque somos tolos! Procuramos dar sentido ao que não se pode ser explicar, buscamos um novo alvorecer quando ainda não digerimos o crepúsculo de um entardecer sozinhos sentados num banco de praia. Quando queremos que o outro seja igual a nós, quando tudo que precisamos é que justamente ele seja contrário; nossa cara-metade, a outra face da moeda; nossa contraparte a unirmo-nos ao Todo. Nem tanto “venha a nós”, nem demasiado “ao vosso reino”. Mas superado e entendido o ato de nascer, com ele seguimos.

Aos poucos vamos descortinando seus atos, sua trama. E ele se doa a nós, na proporção em que a ele nos entregamos de olhos abertos. Sem medo de mergulhar quarto escuro, sem acepipes desnecessários, sem estampidos de artilharia bruta; ciúme corrompido e resvalo de trevas ditas em calor de discussões.

É o que pensamos como certo, é o queremos mas nem sempre sendo. Simplesmente por não sabermos o que o palco descortinado nos reserva; que personagens e atos nos conduzirão a verdadeira união. E porque o amor não tem razão. Ou ao menos, não a obedece.

Ele acontece a revelia das convenções, dos ditos desditos populares, do que entendemos como certo. Por sua incerteza, ele nos diz como nos consolidarmos através de uma forma muitas vezes cruel, mas eficiente. A nos provocar, ele nos lança em agonia de ventos de agosto; ele consequentemente nos obriga em algum momento a viver a segunda solidão. E sós, temos a oportunidade de olhar o outro, para depois podermos olhar a frente, juntos. E é assim que o amor tem para nos ensinar como lidarmos com nossas próprias deficiências, como superarmos o obstáculo de sermos limitados e limítrofes em nossa visão de mundo. O que nós entendemos como sendo o mundo; sendo o mundo um para cada um. E o amor como um Todo que é, nos dando a possibilidade de “vermos” verdadeiramente pelos olhos da alma. A nos ensaiar para o grande espetáculo da vida. Para com ele crescermos... na dor do crescimento.

Finalmente, chegamos a maturidade adulta. E aqui cabe especial atenção. O amor não tem freios! Ou ao menos, não deveria tê-los. E é correndo furtivo em pátina de areia que ele nos embala com seu acalanto de maré. Uma hora subindo como coluna pitagórica, outra hora esvaziando-se para recolher detritos que elaboramos e inteligentemente descartamos, outra hora de novo subindo para despejar em nossa praia contas de coral, maresia madrigal e conchas acústicas dizendo do profundo do mar que agora habitamos. Por ser desmedido mar, sentimos necessidade de salvaguardas, de botes a remo a deslizar por sua superfície. E quem disse que o amor é seguro? Quem disse que há garantias? Talvez por isso seu fascínio e destemor – seja bem dito – quando não necessariamente compreendido; apenas aceito. Aceito na simplicidade, na forma pura como é. E como em tudo na vida, chegamos a conclusão que o amor requer práticas para amadurecer e se consolidar. Treinos de escola da vida, de campeonato de beijos, de acertos e desacertos, encontros e desencontros, de treinar, treinar... e teimar. Somos teimosos por natureza, mas apenas quando teimamos em insistir em ato de amor é que transformamos defeitos em virtudes. Há quem passe pela vida sem nunca conhecer o sabor de amar e ser amado verdadeiramente. São ocos de vivências de Eros, vazios de concepção de Vênus. Se nesta fase não superarmos nosso desejo de dominar, se não entendermos que somos o problema e a solução encerrados em um só, se não soubermos o que fazer com todo esse sentimento de areias brancas que insistem em extravasar por nossas mãos, um vazio enorme se fará presente, profundo e permanente em nosso imo.

E para que serve tudo isso dito em papel, essa ladainha barroca que abre a boca mas não canta, esse próximo, fundamental e extenso ensaio de amor? Para absolutamente nada! Quisera eu que este meu canto servisse de lenço e espada; que secassem prantos de dor e fossem armas na luta contra o desamor. Mas a vivência do ato de amar é única. É própria de cada ser, e nada do eu disse fará sentido até que tenha cada um por si só feito esta grande viagem. Uma vez singrado os mares, uma vez desbravadas as novas terras em comunhão de corpos; enfrentado monstros marinhos de querelas, piratas algozes de nossos sentimentos; superadas as grandes ondas que insistem em fazer a pique nosso almirantado galeão... e eis que o espetáculo da vida se mostra em sua plenitude. O amor então se faz grande, profundo e permanente!

Hoje me digo maduro; in facto; me digo pronto para amar. Enquanto Homem que sou; que respira, vive e ama; também quero passar pela crise do nascimento, sentir as dores do crescimento, experimentar o delicado do dia, o mistério da noite e o sabor de amar. Diante das primeiras balas que atravessarem minha falsa couraça; quando dela em vez de borbotões de sangue saírem sons de guitarra; quando do meio das ruas de meu mundo começarem a subir correntes de raízes e de sangue rubro de sua boca de beijo a minha colada; saberei me bem treinado. E em seguida verei que desde o norte da solidão fui para o sul, vento austral que a ti me trouxe. Desde então meu caminho junto com o teu caminho. E depois de atravessarmos o mar das intempéries, estaremos já de pé sobre a nova terra. Para então podermos reivindicar a possessão infinita de tudo que nela se abriga. Não mais buscaremos o amor; seremos o próprio amor. Um amor, porém, que requer práticas concretas. Não um amor apenas de palavras, de manifestações vazias de afeto. Que ele seja concreto em sua infinitude, bravo como raiz que teima em crescer, em viver. Flor que violácea, milagrosamente desabroche no inverno, pétala de Salvador Dali, aroma enevoado de copo de neve. O que quer dizer que em sua taça cristalina transbordará a poesia essencial de nossas existências.

E neste novo cenário infinitamente espacial; ao mesmo tempo submarino e subterrâneo; entraremos a conversar em plena luz do dia com nossos fantasmas solares, a penetrar no segredo das galerias que escondem a translucidez do cristal, a determinar as relações esquecidas entre o outono e a primavera, entre o homem e a mulher. Entre a metade que é você, a outra metade sendo eu.

Um novo continente longe das palavras evidentes se levantará na superfície de fogo deste mar. Uma nova construção aparecerá da mais secreta matéria de nossos sentimentos. A atmosfera; ao mesmo tempo luz e sombra; por vezes será iluminada de relâmpagos carregados de fosforescências e assombro. Entre singrar este mar, entre apaziguar suas ondas e espumas, em tocar suas margens misteriosas, entre chegar a estas terras e nomear seu reino, em percorrer toda sua geologia e sua geográfica extensão... estaremos nós.

Dois corpos se amando.

Duas almas se unindo.

Você sendo eu, e eu sendo você.

(R. Moran)
11/11/11

A pedido de Gimenez surgiu “O Amor requer prática”; Este me sugeriu um mote que relacionava a necessidade de treinar e exercitar a prática nas coisas da vida, sobretudo no amor. E o escrevi como uma cartilha, pensando neste alguém que está por vir... 

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2 comentários:

  1. O amor requer cumplicidade e exercício diário,


    Requer olhares, toques e cheiros,


    Requer duas pessoas olhando na mesma direção,



    Bjkas

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  2. Puttzz! Olha só, que coisa...Rsrsrs

    Mas sim amigo, ainda bem que não postou, e que também é um cara esperto e vivido..rsrsr

    È isso ai amigo...Toda sorte de benção pra vc.!

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Para mí, solo recorrer los caminõs que tienén corazón...