O amor é sempre um ato de altruísmo. O ato de amar
nasce do doar-se, como o carvão nasce do fogo. Cada amor que nasce,
surgido da dor e do cativeiro opressivo de um coração que anseia, é
uma história com capítulos, prantos, risos, solidão e
desencontros. Quero com isso entrar na possessão infinita de tudo
que existe. Da necessidade que temos de nos saber amados. E para isso
precisamos entender que não devemos buscar o amor; temos que ser o
próprio amor.
Os falsos moralistas, os intransigentes secos por
dentro e os ditadores religiosos ensandecidos de ódio, buscam o amor
para corrompê-lo, queimá-lo e transformarem-no em pó de estrada.
Onde os pés caminham, e pisando não sabem a dor que se avizinha em
cada passo, em cada lágrima derramada. Os poetas, loucos e amantes
o buscam pela beleza, pelo frêmito e pelo gozo. Ama-me a diversidade
da vida; a vida que surge de um novo amor. Seu suave colorido, seu ar
madrigal de quem já não tem pressa, a fruta madura diferenciada em
toda sua latitude. Mas há que se cuidar, posto que o amor é chama,
e como tal pode se apagar. É como um cristal fino, de delicadas
formas, que no entanto se quebra quando cai. Mas que jamais morre!
Podem encarcerá-lo, ter sua face cuspida e escarnecida, podem
molestá-lo e arrastá-lo pelas ruas e avenidas, jogado ao alto mar
para que se afogue, dar-lhe uma punhalada certeira no peito e uma
salva de tiros... e ainda assim ele sai de todos estes episódios
reorganizado em suave taça transbordante, ardendo em uma nova chama
e ensejando um novo olhar de patética singeleza.
O amor nasce pequeno. Não devemos confundi-lo com a
avassaladora paixão dos amantes, com o ímpeto ressonante dos
carnavais, com o arroubo de fé dos combalidos em busca do divino. O
amor sempre nasce pequeno! E somos sós ao seu nascer, mas desmedidos
insaciáveis que somos por natureza, buscamos seu alimento já nos
primeiros segundos de vida. E dele não queremos desapegar. Quando
não o temos a nosso prazer, sentimo-nos desamparados e – torpes
mesquinhos – desiludidos. Por isso dizemos que o amor é também um
vício, que como tal necessita tratamento. Mais que isso,
entendimento. Não escolhemos amar alguém por suas posses, sua
educação, ou elegância, embora estes possam ser seus instrumentos.
Não amamos alguém por seu encanto ou beleza, embora ambos sejam
seus servidores. Amamos pelo mistério que ele nos traz, pelo cheiro
que inebria, pelo sorriso que nos olha e desperta a fragilidade que
há em todos nós. Amamos por assim dizer; pela voz que nos cativa;
pela paz ou tormento que ele nos traz. A despeito do que dizem os
filósofos e os intelectuais, ama-se pelo que o amor tem de
indefinível, de indízivel. Mas não de incomensurável... Ele pode
ser medido em sua justa forma, na maneira com que nos contempla por
trás do espelho. É quando nos deparamos com nossa imagem reflexa e
ela nos diz que estamos irremediavelmente apaixonados por alguém.
Este é o berço do amor, sua primeira infância.
E com ele vem a crise do nascimento, no começo
alarmante e alarmado do terror metafísico de onde brota o manancial
da necessidade de se buscar uma identidade, uma face para o amor. O
mesmo manancial que deixa escorrer entre pedras o ciúme leitoso, o
ardil de egoísta possessão do que não se deve prender. Por que
fazemos isso? Porque somos tolos! Procuramos dar sentido ao que não
se pode ser explicar, buscamos um novo alvorecer quando ainda não
digerimos o crepúsculo de um entardecer sozinhos sentados num banco
de praia. Quando queremos que o outro seja igual a nós, quando tudo
que precisamos é que justamente ele seja contrário; nossa
cara-metade, a outra face da moeda; nossa contraparte a unirmo-nos ao
Todo. Nem tanto “venha a nós”, nem demasiado “ao vosso reino”.
Mas superado e entendido o ato de nascer, com ele seguimos.
Aos poucos vamos descortinando seus atos, sua trama. E
ele se doa a nós, na proporção em que a ele nos entregamos de
olhos abertos. Sem medo de mergulhar quarto escuro, sem acepipes
desnecessários, sem estampidos de artilharia bruta; ciúme
corrompido e resvalo de trevas ditas em calor de discussões.
É o que pensamos como certo, é o queremos mas nem
sempre sendo. Simplesmente por não sabermos o que o palco
descortinado nos reserva; que personagens e atos nos conduzirão a
verdadeira união. E porque o amor não tem razão. Ou ao menos, não
a obedece.
Ele acontece a revelia das convenções, dos ditos
desditos populares, do que entendemos como certo. Por sua incerteza,
ele nos diz como nos consolidarmos através de uma forma muitas vezes
cruel, mas eficiente. A nos provocar, ele nos lança em agonia de
ventos de agosto; ele consequentemente nos obriga em algum momento a
viver a segunda solidão. E sós, temos a oportunidade de olhar o
outro, para depois podermos olhar a frente, juntos. E é assim que o
amor tem para nos ensinar como lidarmos com nossas próprias
deficiências, como superarmos o obstáculo de sermos limitados e
limítrofes em nossa visão de mundo. O que nós entendemos como
sendo o mundo; sendo o mundo um para cada um. E o amor como um Todo
que é, nos dando a possibilidade de “vermos” verdadeiramente
pelos olhos da alma. A nos ensaiar para o grande espetáculo da vida.
Para com ele crescermos... na dor do crescimento.
Finalmente, chegamos a maturidade adulta. E aqui cabe
especial atenção. O amor não tem freios! Ou ao menos, não deveria
tê-los. E é correndo furtivo em pátina de areia que ele nos embala
com seu acalanto de maré. Uma hora subindo como coluna pitagórica,
outra hora esvaziando-se para recolher detritos que elaboramos e
inteligentemente descartamos, outra hora de novo subindo para
despejar em nossa praia contas de coral, maresia madrigal e conchas
acústicas dizendo do profundo do mar que agora habitamos. Por ser
desmedido mar, sentimos necessidade de salvaguardas, de botes a remo
a deslizar por sua superfície. E quem disse que o amor é seguro?
Quem disse que há garantias? Talvez por isso seu fascínio e
destemor – seja bem dito – quando não necessariamente
compreendido; apenas aceito. Aceito na simplicidade, na forma pura
como é. E como em tudo na vida, chegamos a conclusão que o amor
requer práticas para amadurecer e se consolidar. Treinos de escola da
vida, de campeonato de beijos, de acertos e desacertos, encontros e
desencontros, de treinar, treinar... e teimar. Somos teimosos por
natureza, mas apenas quando teimamos em insistir em ato de amor é
que transformamos defeitos em virtudes. Há quem passe pela vida sem
nunca conhecer o sabor de amar e ser amado verdadeiramente. São ocos
de vivências de Eros, vazios de concepção de Vênus. Se nesta fase
não superarmos nosso desejo de dominar, se não entendermos que
somos o problema e a solução encerrados em um só, se não
soubermos o que fazer com todo esse sentimento de areias brancas que
insistem em extravasar por nossas mãos, um vazio enorme se fará
presente, profundo e permanente em nosso imo.
E para que serve tudo isso dito em papel, essa ladainha
barroca que abre a boca mas não canta, esse próximo, fundamental e
extenso ensaio de amor? Para absolutamente nada! Quisera eu que este
meu canto servisse de lenço e espada; que secassem prantos de dor e
fossem armas na luta contra o desamor. Mas a vivência do ato de amar
é única. É própria de cada ser, e nada do eu disse fará sentido
até que tenha cada um por si só feito esta grande viagem. Uma vez
singrado os mares, uma vez desbravadas as novas terras em comunhão
de corpos; enfrentado monstros marinhos de querelas, piratas algozes
de nossos sentimentos; superadas as grandes ondas que insistem em
fazer a pique nosso almirantado galeão... e eis que o espetáculo
da vida se mostra em sua plenitude. O amor então se faz grande,
profundo e permanente!
Hoje
me digo maduro; in
facto;
me digo pronto para amar. Enquanto Homem que sou; que respira, vive e
ama; também quero passar pela crise do nascimento, sentir as dores
do crescimento, experimentar o delicado do dia, o mistério da noite
e o sabor de amar. Diante das primeiras balas que atravessarem minha
falsa couraça; quando dela em vez de borbotões de sangue saírem
sons de guitarra; quando do meio das ruas de meu mundo começarem a
subir correntes de raízes e de sangue rubro de sua boca de beijo a
minha colada; saberei me bem treinado. E em seguida verei que desde o
norte da solidão fui para o sul, vento austral que a ti me trouxe.
Desde então meu caminho junto com o teu caminho. E depois de
atravessarmos o mar das intempéries, estaremos já de pé sobre a
nova terra. Para então podermos reivindicar a possessão infinita de
tudo que nela se abriga. Não mais buscaremos o amor; seremos o
próprio amor. Um amor, porém, que requer práticas concretas. Não
um amor apenas de palavras, de manifestações vazias de afeto. Que
ele seja concreto em sua infinitude, bravo como raiz que teima em
crescer, em viver. Flor que violácea, milagrosamente desabroche no
inverno, pétala de Salvador Dali, aroma enevoado de copo de neve. O
que quer dizer que em sua taça cristalina transbordará a poesia
essencial de nossas existências.
E neste novo cenário infinitamente espacial; ao mesmo
tempo submarino e subterrâneo; entraremos a conversar em plena luz
do dia com nossos fantasmas solares, a penetrar no segredo das
galerias que escondem a translucidez do cristal, a determinar as
relações esquecidas entre o outono e a primavera, entre o homem e a
mulher. Entre a metade que é você, a outra metade sendo eu.
Um novo continente longe das palavras evidentes se
levantará na superfície de fogo deste mar. Uma nova construção
aparecerá da mais secreta matéria de nossos sentimentos. A
atmosfera; ao mesmo tempo luz e sombra; por vezes será iluminada de
relâmpagos carregados de fosforescências e assombro. Entre singrar
este mar, entre apaziguar suas ondas e espumas, em tocar suas margens
misteriosas, entre chegar a estas terras e nomear seu reino, em
percorrer toda sua geologia e sua geográfica extensão... estaremos
nós.
Dois corpos se amando.
Duas almas se unindo.
Você sendo eu, e eu sendo você.
(R. Moran)
11/11/11
A pedido de Gimenez surgiu “O Amor requer prática”;
Este me sugeriu um mote que relacionava a necessidade de treinar e
exercitar a prática nas coisas da vida, sobretudo no amor. E o escrevi como uma cartilha, pensando neste alguém que está por vir...
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O amor requer cumplicidade e exercício diário,
ResponderExcluirRequer olhares, toques e cheiros,
Requer duas pessoas olhando na mesma direção,
Bjkas
Puttzz! Olha só, que coisa...Rsrsrs
ResponderExcluirMas sim amigo, ainda bem que não postou, e que também é um cara esperto e vivido..rsrsr
È isso ai amigo...Toda sorte de benção pra vc.!