Não haverá despedida
"Somos como forjas em que se funde o ferro para ligá-lo
em aço.
Não sem a bigorna e o martelo. E o que é o martelo?
O que é o ferro para ser malhado?
Em que fornalha estão nossos mentes e almas? Que é a
bigorna?
Que mão terrível ousará manipular nossos terrores
mortais?
As nossas mãos..."
Inspiração e manipulação em William Blake “The
Tiger”
Como
deixar de ver? Há tanta dor. Todas as pessoas, todas as vidas
deles. O tempo todo. Há tanto fingimento, tanta futilidade na forma
como vêm a si mesmos e o mundo. Como aguentam? Nascem, estudam,
trabalham, casam, têm filhos; ou não; constroem palácios ou
casebres, bebem, fornicam, assistem futebol pela TV, se drogam, saem
para jantar, viajam pelos pequenos espaços do mundo, escalam
montanhas, vão a Lua, tornam a beber, vão a uma peça, conversam
animadamente com amigos ao redor de uma lareira e um bom vinho e
falam como a vida é boa. Depois morrem sem ao menos nunca, ou
quase nunca, se perguntarem: Por que?
Há tanta dor. E não sei como fazer para não notar.
Para não ver as marcas do sofrimento estampadas atrás dos olhos,
por trás do para-brisa do carro importado ou detrás da taça de
cristal ou do copo americano. Vinho ou aguardente, tanto faz, todos
irão vomitar algum dia. Alguém pode perguntar: O que tanto te
machuca? E respondo que não sou eu apenas. São eles. Todo mundo.
Todo o mundo aparente do qual já me cansei e que não vejo graça
nenhuma. É como estar indefinidamente em um parque de diversões, e
depois de descer milhões de vezes na mesma montanha-russa, depois de
girar na roda gigante mais voltas do que trilhões de vezes a órbita
do Sol, depois de se cansar de comer tanto algodão doce que seu
gosto se torna amarga ao insuportável, o parque deixe de ser
divertido para virar uma tortura medieval, um castelo do terror do
qual quero sair. A vida é mesmo um grande quebra-cabeças, e as
peças estão todas espalhadas diante de mim sem que eu consiga
encontrar sentido algum.
Eu sou louco. Mas apenas louco. Não sei porque então
pareço sempre machucar as pessoas que amo, sempre fazer coisas que
fazem com que me apontem o dedo e digam que andei errado, sempre
falar coisas das quais depois todos usam contra mim no tribunal de
contas dos homens. Não sei mais o que fazer. Para tirar o gosto
amargo da boca, do peito. Para estancar as lágrimas ácidas que caem
dos olhos, e queimam, e sangram, e cortam a carne e ninguém vê ou
parece se importar. Porque mesmo quando dizem que sempre se
importam, sempre é quase nunca, eu aprendi.
Já me deixei contagiar com a essa sujidade, com toda
falsidade da condição humana. Não vou mais entrar em detalhes
sobre isso, mas vou dizer que houve dias bem ruins. E alguns lindos e
poucos inesperados dias. Mas foram apenas migalhas, pequenas porções
de ilusão. Como tudo que está ao nosso redor agora, como tudo que
vêm tão sólido e que no entanto é capaz de se desmanchar no ar
com incrível facilidade diante de meus olhos. Me disseram uma vez
que não escolhemos de onde viemos, mas digo que podemos escolher
para onde ir. Sei que isso é pouco, mas é o suficiente para começar
a juntar as peças deste quebra-cabeças que é viver.
Não sei se terei tempo para escrever mais, porque
estarei muito ocupado tentando achar uma “saída”. Então, se
este for meu último texto por agora, saiba que estive numa situação
muito ruim por diversas vezes, e você de alguma forma me ajudou.
Mesmo não sabendo do que eu estava falando na maioria das vezes,
ainda que achasse que entendias. Ou conhecesse alguém que já passou
por isso. Você, de alguma forma, fez com que eu não me sentisse tão
sozinho. Porque sei que existem pessoas que dizem que estas coisas
não acontecem. Que há pessoas que se esquecem do que é ser criança
quando se tornam adultos. Do quanto pode ser pavoroso ser uma criança
num mundo diferente e inóspito, onde o perigo ronda a todo momento e
a morte é uma certeza. Sei que tudo isso não passará de histórias
alguma hora, e que essas imagens se tornarão apenas fotografias
antigas esquecidas em um baú. Melhor assim para todos. Quando
seremos apenas uma lenda. As lendas que nascem da necessidade de se
decifrar o indecifrável. As memórias que devem se contentar de seu
delírio, de sua falta de rumo. A loucura que nos protege, como a febre.
Acepção de um conceito de vida que nos conduz inevitavelmente a nós
mesmos, aos nossos meandros interiores, sendo a loucura a forma que
encontramos para lidar com o incompreensível. Mas neste momento,
estas imagens não são histórias. Isto está acontecendo. Eu estou
aqui olhando para elas. E apesar de tudo elas são lindas. Há uma
beleza mórbida e triste permeando tudo, mas ainda assim – belas.
Eu consigo enxergar. Este momento que você sabe que nem tudo é uma
história triste. Eu estou vivo ainda. Eu me levanto e vou até a
janela e vejo as luzes dos prédios, há uma rua lá embaixo, uma lua
crescente acima e tudo que sempre me fez perguntar: Por que? Então
vejo uma imagem: uma música toca ao fundo, contemplo a noite e o
espaço, e sei que estou nesta nave chamada Terra se deslocando no
espaço a mais de dois milhões de quilômetros por hora. E neste
passeio, estou com a pessoa que mais amo neste mundo. E neste
momento, eu juro... nós somos infinitos!
Por hora eu vou. Sem pressa de partir, nem tempo de
chegar. Mas sei que sigo, e tudo que me espera é o inesperado.
Porque para mim, só resta percorrer os caminhos que tenham coração.
Por isso, não haverá despedida. Apenas um eterno reencontro...
(R. Moran)
16/05/2013
16/05/2013
23:24 hs
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Sem despedidas...
ResponderExcluirVocê diz: "E neste passeio, estou com a pessoa que mais amo neste mundo."
ResponderExcluirE eu te pergunto: "Em que longínquo abismo, em que remotos céus
ardeu o fogo de teus olhos?
Sobre que asas se atreveu a ascender?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir as fibras do teu coração?"
Que a sua ausência seja breve... Mas que seja bela... Que seja doce...
Bjos
Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
ResponderExcluirreparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
Então eu chego aqui e leio esse belo texto e fico sem palavras...
ResponderExcluirDespedidas...
Elas não são pra mim...
Adorei!!!
Saudades desse cantinho...
Bjo, bjo!!!
texto significativo...beijo.
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