quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Por oceanos que atravesso...



   Há quantos oceanos atravessei? Por quantas tempestades me perdi, e fustigado pelas ondas quase sucumbi?

   Hoje me encontro na ponte do navio, a contemplar o furioso de espumas de mais uma tormenta que me colhe. De ventos cortantes como adagas que batem em minha face, que me sangram, sacodem meu navegar e me lançam a rumos incertos. De mãos crispadas ao leme a procurar tenência no rumo. De noites sucessivas sem estrelas onde não me guio por tua luz, apenas pelas lembranças do que tinha como caminho certo. Desejoso de um pouco de calmo singrar, de paz nas contendas d'alma, de um porto ao menos que me desse um pouco de guarida deste furacão marítimo que hora atravesso. Mas receoso de me aproximar da costa que não adivinho, de ser lançado de encontro as barreiras de falácias coral, esfacelando o pouco que resta de mim ainda inteiro. Sinto erroneamente que me fizestes mais mal do que bem, posto que sou falho e não tenho medidas agora para me dizer o contrário. Por enquanto...

   Que com tua insensatez desprezastes o que tinha de mais nobre em mim em nome de um pretenso amor que destrói e arrasa. Que inconsequentemente tomastes decisões que afetavam a mim muito mais profundamente do que sequer sua vã filosofia possa imaginar. Que depois de me lançar ao mar contigo, simplesmente abandonastes o barco deixando-me preso nesta tempestade de látegos de chuva, raios e fosforescências invernais. Egoísmo! De quem comodamente, ou por covardia, preferiu se obliterar em falsos conceitos morais de pureza... enquanto outra parte desprezava teu semelhante nas diferenças, no conhecer, nos gostos, nas opções de vida, sexuais, na segregação daquilo que te dizem não ser compatível de professar a fé como a cada um lhe convêm. Na ignorância de não querer ver o que nos foi dado gratuitamente, o quão ricos fomos abençoados e tão barato fizestes questão de vender. Ou deixar perder...

   Não tenho esperanças próximas de me desvencilhar deste fragoroso temporal. Mas sigo, pois nunca se sabe aquilo que podemos aprender com todo esse oceano tempestuoso. E por mais que eu queira, a despeito dos riscos, não vejo costa onde possa repousar meu espírito extenuado. Adinâmico estou em tentar manter flutuando este barco de existências em que me formei. Que tem os porões pesados; não de tralhas; de ricos tesouros acumulados que agora ameaçam ir ao fundo sem que seja dada a oportunidade de virem de dentro para fora brilhar enluarados pelo imenso espelho d'água deste incalculado oceano.

   Minto! Ainda tenho dentro, junto e misturado a estas riquezas a dor. A tristeza agora compreendida; não por que partistes; mas pela solidão em que me deixaste no momento em que mais necessitava. Solidão que assola acachapante, que saboreio com o travor e a amargura própria de verde laranja marinha... sabedor que um dia irá amadurecer e se fazer doce. Mas que agora; e aos que como eu dominados pela dor; existirá somente um instante de se lançar ao esquecimento, no melhor momento em que o abismo que se abre entre as vagas das monumentais ondas que se erguem dessa tempestade permitirem. E ali abandonar esta carga de fel, para que as águas revoltas a engulam para não mais voltar.

   Percebo agora o quão amargo estou. Amargo da língua, amargo da alma, amargo de solidão. Mas sou pertinaz. Não me acovardo diante do desconhecido solitário deste oceano bruto. Sinto fome de viver, sinto vontade de cantar por sobre o grito da tempestade, sinto ímpetos de esbravejar ao nada de tua alma que me cerca que não me entregarei, sinto desejos de sorver o Tudo deste desmedido que me envolve e regurgitar em poesia o meu sangue vertido em esperança... de, num novo amanhã, poder ter a quem amar. Alguém que saiba reconhecer o brilho d'alma e dar valor ao que realmente importa...

   E nisto vejo a doçura que ainda trago dentro de mim. Nisto reside minha fortaleza, minha fé, minha esperança. Em saber que; ainda que perdido; sou comandante deste almirantado navio que sangra mas singra. Que as mãos que me conduzem pelo desconhecido serão as mesmas mãos que um dia irão tomar as tuas e nelas depositar meu canto, minha poesia, minha vida. A este alguém que está por vir confio no farol que finalmente me guiará a liberdade desta noite insone.

   Mas que fique claro! Ficaremos em terra o tempo suficiente para aplacarmos a sede da alma, para reorganizarmos os porões do navio na certeza de colhermos mais riquezas de vida, para limparmos as cracas do casco martirizado pelas explosões de ondas, para nos reabastecermos de saber e valores verdadeiros; para então podermos; juntos; retornarmos ao absoluto Mar. Posto que fui picado por teu fascínio conhecido desconhecido de novas águas; que fui viciado em teu cheiro de maresia espacial; que passei a respeitar e amar tua fúria contida, noutras nem tanto. Que estacionar em terra não é mais opção; é abandono e morte de um espírito guerreiro. Por oceanos velhos conhecidos e principalmente pelos novos que se descortinam é que singraremos.Esta será nossa casa; azul de mar e céu, branca de espumas de ondas; colorida de beijos rubros e ares madrigais.  Muito há que se fazer, nuito mais o que se descobrir...

Neste que é o “Glória dos Mares”. Glória de amares...


(R. Moran)


*este texto foi escrito na terça-feira, 13/12, em um momento de certo amargor e atribulação. Depois de pronto, não tive disposição para publicá-lo naquele momento. Acabei recorrendo a um texto um pouco mais antigo que também aguardava sua vez. Mas hoje me sinto mais confortável, e então o entrego a todos que; sofrendo; não perdem jamais a ternura e a esperança de que é possível seguirmos a despeito do que nos façam mal, seguirmos ainda que nos digam não, pois que a nós só resta a certeza do Sim.

* todos os direitos reservados ©

4 comentários:

  1. Gostei do texto, muito bem escrito, triste, amargo, mas ao final ,na explicação podemos ver ternura! abraços,chica

    ResponderExcluir
  2. Moran,sempre precisamos retomar o nosso caminho,mesmo que ás vezes seja necessário ancorar um pouco!Lindo e tocante texto!Bjs,

    ResponderExcluir
  3. Que coincidência bacana: falarmos de mar num mesmo dia, embora, tenhas escrito seu texto anteriormente,

    Eu ainda sofro desses naufrágios, do cheiro da maresias, dos dias em alto mar e dias de terra firme,

    Mas creio, quando um barco não resiste a uma tempestade, depois de inúmeras outras já vencidas, é porque cumpriu sua missão,

    Assim, não posso, ou não sei dizer se partiu sem mim, se abandonei o leme, ou se encalhamos num coral, pra virar um bonito conto,

    Mas penso em quanto valeu a pena, e por gostar tanto do mar, e amar tanto, juntei os dois A-Mar, e te deixo, livremente ir,


    **Depois desses meus devaneios, peço licença pra entrar,


    Bjkas

    ResponderExcluir
  4. “Glória dos Mares”. Glória de amares...
    Fechando de forma sensacional!Beijos

    ResponderExcluir

Obrigado por sua participação. Seja livre para opinar, discordar, dar sugestões ou contribuir para o melhor caminho do Andarilho.

Para mí, solo recorrer los caminõs que tienén corazón...