Algumas
coisas a dizer(antes que o tempo acabe)
Todos nós estamos à beira do precipício. Todo o
tempo, toda hora. Um penhasco que todos iremos saltar um dia.
Onde haverá um momento de escolha. Mas nossa escolha não é sobre
isso. A escolha é se queremos ir a força e gritando ou se queremos
abrir nossos olhos e corações para contemplarmos o que acontece
enquanto caímos. As pessoas gostam de analisar as coisas que lhes causam medo. Para olhar para elas e dar nomes. Os religiosos procuram
a Deus, os cientistas as evidências e os fracos que não sabem lidar
com seus espectros, a bebida, o isolamento químico ou outro refúgio qualquer
para a dor. Todos de alguma forma buscando resolver o mistério da
vida, para se livrarem do medo. Ou para suas almas ficarem
suficientemente entorpecidas e ausentes onde nada mais os alcance,
assim pensam.
Quando se faz alguma coisa que não se pode voltar
atrás, algo que você não compreende, você procura se segurar
naquilo que compreende. E quando isso não basta mais, pode-se
simplesmente desistir e esperar a morte ou superar-se na busca de um
sentido além de todas as coisas que você compreende. Porque se você
acreditasse que tudo que você teve que fazer foram coisas certas,
teria que encontrar uma razão. Mas o que acontece quando você acha
as razões e elas não são as suas razões? Como você encontra
algum conforto e sentido nisto? Quando se é apenas uma marionete nas
razões e sentidos das sombras...
Muitas pessoas perdem as esperanças de que qualquer
coisa possa mudar em suas vidas depois de um tempo. Apenas levam suas
vidas, dia após dia, e se algo acontece que as torne diferentes,
elas provavelmente nem conseguem notar, exceto por um sentimento
incomum ou muitas vezes desagradável. Por que são avessas as
mudanças... mesmo se for para melhor. É incrível como o ser humano
se apega a tudo, incluindo as coisas ruins. Principalmente as ruins,
pequenas ou grandes.
O mundo é feito de grandes coisas e de pequenas
coisas. A parte mais insensata e quando damos o nome de “grande” e
“pequena”. Porque quando algo nos acontece, quando perdemos
alguma coisa ou alguém com quem nos importamos, isto é tudo para
nós. Não interessa se o mundo está acabando. Nada mais é tão
importante quanto nossa perda. Porque ela nos mostra o quão mais e
mais solitários ficamos a cada dia.
Quando eramos apenas crianças, tudo que queríamos era
que as estórias e os contos de fada fossem verdadeiros. Sabíamos
que isto não iria acontecer, mas bem no fundo torcíamos para que de
alguma sorte estivéssemos enganados. De alguma forma sabendo que a
magia estava ali, em algum lugar, escondida. Trata-se de esperança.
O natal, por exemplo, se trata de esperança. Quando a criança que
havia em todos nós contemplava a árvore de natal, esperávamos
ansiosos por novos brinquedos. As pessoas envelhecem, os brinquedos
são maiores, mas no fundo a esperança persiste. Pena que ela não
seja a mesma. Porque alguns até esperam a paz na terra, alguns
poucos podem desejar o amor; um amor sincero; ou talvez um amanhã
melhor, qualquer que seja sua ideia disso. Mas a maioria das pessoas
só querem mesmo algo mais luminoso, brilhante, caro e novo. Na
tentativa de suprimir o imenso vazio que se expande nos confinados
muros interiores. Na falta da crença naquilo que realmente importa.
As pessoas acreditam no que elas querem acreditar.
Encontram o significado do que podem e se apegam a isso. No fim, não
importa muito se é verdade ou um torpe engano. O que importa é
apenas no que acreditam. A vida pode ser como um passeio de montanha
russa. Existem altos e baixos. Tem grandes sustos, manobras rápidas,
lentas, frio na barriga, emoções e um lugar onde tudo acaba. A
diferença é que na montanha russa você sempre volta ao ponto em
que começou, e na vida você está em um ponto totalmente diferente
daquele que embarcou.
Todas as pessoas buscam de algum modo acreditar que têm
o controle sobre suas vidas E na maior parte do tempo, realmente
acreditam estar no comando. Mas é quando algo acontece que se
lembram que o mundo obedece suas próprias regras e não a dos
homens, e que estamos aqui apenas de passagem. Somos todos mortais.
Poucos de nós realmente conseguem entender o que se passou; a
maioria sente apenas que não houve tempo suficiente. Tempo para conhecer ao outro, tempo para amar, tempo para sonhar e tempo para viver.
O que nos faz humanos? Poder pensar? Sentir, viver, rir
e chorar... Como podemos experimentar a alegria ou a dor? Raiva...
Nós podemos machucar e nós podemos fazer rir e nós temos um
passado e um presente. E, de algum modo... um futuro. E talvez, uma
das coisas que nos faça humanos, é o fato de sabermos o suficiente
para pensar que não nascemos para estar sozinhos. Que possa existir
alguém que nos compreenda na forma e na essência que somos. Mas
infelizmente, muitas vezes estamos cegos e incapazes de perceber a
sorte que se nos apresenta. Estamos limitados pelos muros de nossa
prisão interior, agrilhoados ao sofrimento, sem conseguirmos olhar
para fora.
As pessoas estão sós neste mundo por diversas razões
diferentes. Muitas têm algo em sua disposição; outras talvez só
tenham nascido muito mesquinhas... outras por terem nascido muto
carinhosas. Porque manifestar carinho nestes tempos pode ser visto
como inadequação. Outras ainda são levadas a esta condição por
algumas circunstâncias. Como uma calamidade ou por um coração
partido. Ou qualquer outra coisa desventura que tenha acontecido em
suas vidas cujo resultado não esperavam. E ao invés de se
desvencilharem disto, se agarram a estes momentos e a eles se
entregam em um eterno sofrer. E se fecham para tudo... para novos
momentos, novas oportunidades. As pessoas estão sós neste mundo por
muitas razões diferentes. A única coisa que sei, é que, não
importa o que qualquer uma delas possa dizer... ninguém quer estar
sozinho.
Muitas pessoas não apreciam ou não sabem apreciar o
carinho ou a generosidade existente no outro. Também são incapazes
de ver a tristeza em alguém. Por estarem elas mesmas tão tristes, tão
tristes, mas tão profundamente tristes, que a única coisa que
conseguem é sorrir e dizer à todo mundo que estão bem e são
felizes. Sem enxergarem a si próprias, o que dirá enxergar ao
outro...
Existem algumas coisas que não compartilhamos com
qualquer pessoa. Todos temos nossos medos e segredos. E tristezas...
Eu não me importaria se alguém visse em mim a tristeza. Talvez
fosse o princípio para que também pudessem enxergar uma certa
beleza, um gesto de mãos ou uma disposição carinhosa. Uma vez
aconteceu comigo. Mas não com o resultado que esperava. Porque nada é tão simples. Em tempos comuns, os homens comuns levam vidas simples em meio
à coisas comuns. Mas estes não são tempos comuns. É tempo de dor, de morrer e talvez de renascer se tivermos suficiente poder pessoal.
Tudo que precisamos saber está aqui, agora. O sucesso e o
fracasso juntos. A dor e a alegria; a partida e a chegada. Momentos em que nos aproximamos e momentos em que
nos afastamos. E tudo tem um final. E tudo se inicia. Isto é o
máximo com que devemos nos preocupar.
A voz interior agora está se dirigindo àquela parte de nós
que insiste em desenhar nas paredes das nossas prisões. Um grafite
escuro a seguir os contornos daquilo que ainda não existe; não
existe mais ou nunca existiu. Uma escrita com a qual cada um fará
sua relação das coisas que fazem o coração bater. Na esperança
de um dia ter a quem oferecer. Senão, simplesmente rasgá-la... como
se desliga a luz... como se apaga a vida. De toda forma, haverá,
algum dia, uma última poesia.
(R. Moran)
Da série: Coisas a dizer: para quem foi e quem vem depois...
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