sexta-feira, 17 de maio de 2013

Não haverá despedida


Não haverá despedida


"Somos como forjas em que se funde o ferro para ligá-lo em aço.
Não sem a bigorna e o martelo. E o que é o martelo?
O que é o ferro para ser malhado?
Em que fornalha estão nossos mentes e almas? Que é a bigorna?
Que mão terrível ousará manipular nossos terrores mortais?
As nossas mãos..."

Inspiração e manipulação em William Blake “The Tiger”





Como deixar de ver? Há tanta dor. Todas as pessoas, todas as vidas deles. O tempo todo. Há tanto fingimento, tanta futilidade na forma como vêm a si mesmos e o mundo. Como aguentam? Nascem, estudam, trabalham, casam, têm filhos; ou não; constroem palácios ou casebres, bebem, fornicam, assistem futebol pela TV, se drogam, saem para jantar, viajam pelos pequenos espaços do mundo, escalam montanhas, vão a Lua, tornam a beber, vão a uma peça, conversam animadamente com amigos ao redor de uma lareira e um bom vinho e falam como a vida é boa. Depois morrem sem ao menos nunca, ou quase nunca, se perguntarem: Por que?
Há tanta dor. E não sei como fazer para não notar. Para não ver as marcas do sofrimento estampadas atrás dos olhos, por trás do para-brisa do carro importado ou detrás da taça de cristal ou do copo americano. Vinho ou aguardente, tanto faz, todos irão vomitar algum dia. Alguém pode perguntar: O que tanto te machuca? E respondo que não sou eu apenas. São eles. Todo mundo. Todo o mundo aparente do qual já me cansei e que não vejo graça nenhuma. É como estar indefinidamente em um parque de diversões, e depois de descer milhões de vezes na mesma montanha-russa, depois de girar na roda gigante mais voltas do que trilhões de vezes a órbita do Sol, depois de se cansar de comer tanto algodão doce que seu gosto se torna amarga ao insuportável, o parque deixe de ser divertido para virar uma tortura medieval, um castelo do terror do qual quero sair. A vida é mesmo um grande quebra-cabeças, e as peças estão todas espalhadas diante de mim sem que eu consiga encontrar sentido algum.
Eu sou louco. Mas apenas louco. Não sei porque então pareço sempre machucar as pessoas que amo, sempre fazer coisas que fazem com que me apontem o dedo e digam que andei errado, sempre falar coisas das quais depois todos usam contra mim no tribunal de contas dos homens. Não sei mais o que fazer. Para tirar o gosto amargo da boca, do peito. Para estancar as lágrimas ácidas que caem dos olhos, e queimam, e sangram, e cortam a carne e ninguém vê ou parece se importar. Porque mesmo quando dizem que sempre se importam, sempre é quase nunca, eu aprendi.
Já me deixei contagiar com a essa sujidade, com toda falsidade da condição humana. Não vou mais entrar em detalhes sobre isso, mas vou dizer que houve dias bem ruins. E alguns lindos e poucos inesperados dias. Mas foram apenas migalhas, pequenas porções de ilusão. Como tudo que está ao nosso redor agora, como tudo que vêm tão sólido e que no entanto é capaz de se desmanchar no ar com incrível facilidade diante de meus olhos. Me disseram uma vez que não escolhemos de onde viemos, mas digo que podemos escolher para onde ir. Sei que isso é pouco, mas é o suficiente para começar a juntar as peças deste quebra-cabeças que é viver.
Não sei se terei tempo para escrever mais, porque estarei muito ocupado tentando achar uma “saída”. Então, se este for meu último texto por agora, saiba que estive numa situação muito ruim por diversas vezes, e você de alguma forma me ajudou. Mesmo não sabendo do que eu estava falando na maioria das vezes, ainda que achasse que entendias. Ou conhecesse alguém que já passou por isso. Você, de alguma forma, fez com que eu não me sentisse tão sozinho. Porque sei que existem pessoas que dizem que estas coisas não acontecem. Que há pessoas que se esquecem do que é ser criança quando se tornam adultos. Do quanto pode ser pavoroso ser uma criança num mundo diferente e inóspito, onde o perigo ronda a todo momento e a morte é uma certeza. Sei que tudo isso não passará de histórias alguma hora, e que essas imagens se tornarão apenas fotografias antigas esquecidas em um baú. Melhor assim para todos. Quando seremos apenas uma lenda. As lendas que nascem da necessidade de se decifrar o indecifrável. As memórias que devem se contentar de seu delírio, de sua falta de rumo. A loucura que nos protege, como a febre. Acepção de um conceito de vida que nos conduz inevitavelmente a nós mesmos, aos nossos meandros interiores, sendo a loucura a forma que encontramos para lidar com o incompreensível. Mas neste momento, estas imagens não são histórias. Isto está acontecendo. Eu estou aqui olhando para elas. E apesar de tudo elas são lindas. Há uma beleza mórbida e triste permeando tudo, mas ainda assim – belas. Eu consigo enxergar. Este momento que você sabe que nem tudo é uma história triste. Eu estou vivo ainda. Eu me levanto e vou até a janela e vejo as luzes dos prédios, há uma rua lá embaixo, uma lua crescente acima e tudo que sempre me fez perguntar: Por que? Então vejo uma imagem: uma música toca ao fundo, contemplo a noite e o espaço, e sei que estou nesta nave chamada Terra se deslocando no espaço a mais de dois milhões de quilômetros por hora. E neste passeio, estou com a pessoa que mais amo neste mundo. E neste momento, eu juro... nós somos infinitos!

Por hora eu vou. Sem pressa de partir, nem tempo de chegar. Mas sei que sigo, e tudo que me espera é o inesperado. Porque para mim, só resta percorrer os caminhos que tenham coração. Por isso, não haverá despedida. Apenas um eterno reencontro...

(R. Moran)
16/05/2013
23:24 hs




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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Sonho do Andarilho


Sonho do Andarilho(um possível prólogo)




A VISÃO – “O Olhar ao mundo”


I. Na ilha (O Onírico)

Vejo. Estou em um trecho de praia. Há uma réstia de luz empalidecendo os espectros que formam a multidão a minha volta. Pondero que seja o entardecer. O mar é revolto e quebra com força na areia próxima.
A noite avança rapidamente. Agora o céu é negro. Nuvens cobrem toda a extensão do firmamento. Não há lua, ou pelo menos sua luminosidade não se faz presente.
Os espectros; pois é assim que os vejo; são pessoas nitidamente desesperadas. Olham em direção ao mar, agitam os braços, põem a mão na cabeça, gritam apesar de não ouvi-las.
Estou calmo. Observo o mar. Monstros pré-históricos revolvem as águas a minha frente. No céu pterodáctilos voam.
Apesar da escuridão, diviso uma ilha a frente. Não está mais do que 600 metros da praia.
            - Preciso ir até lá. – Digo a ninguém em especial.
         Não tenho medo. Entro na água e não sinto frio. Tampouco os animais me assustam ou me atrapalham. Nado em linha reta ignorando as águas revoltas ou a correnteza do mar. Chego a ilha. A ilha é um promontório rochoso. Sua extensão é de aproximadamente 200 metros. No centro, uma construção quadrada ocupa todo espaço. Suas paredes são cinzas. O teto é reto; não tem telhas. Apenas uma porta de madeira velha dá acesso ao interior. Depois, não há senão mais rochas, o mar e a escuridão.
Caminho em direção a porta. Vejo que não há trancas ou fechadura. Abro e entro. Um longo corredor está à frente. À direita e a esquerda inúmeras portas. Ando e abro uma aleatoriamente. Outro corredor e mais portas.
        A luminosidade é fraca. Lâmpadas mortiças permeiam o teto de laje. Percebo que o interior da construção é maior do que o externo permitia vislumbrar. Não entendo e também não me importo com este detalhe absurdo.
           Após sucessivas portas e corredores perco a noção de direção; não sei para onde estou indo, onde está a saída. Estou em um labirinto; é fato. Outra porta e outro corredor. Porém neste diviso um vulto ao fundo. Caminha lentamente em minha direção, as mãos cruzadas atrás. Olho com interesse e curiosidade. E só.
            Para a uma distancia de dois metros. Agora posso ver seu rosto. É homem; aproximadamente 1 , 80 m. Sua roupa é cinza escuro. Nos pés velhas botas militares. Seu rosto é anguloso, todo enrugado, com manchas pardas e verrugas peludas. Isto onde a barba espessa e suja permite divisar. O sorriso que chega não tem sentimentos. É falso, assim como seus olhos, que são amarelos e permeado de veias injetadas e finas. A boca é sem cor, lábios finos e cortados nos cantos. Os dentes também amarelados e cariados. A cabeça parece um ovo. Os cabelos são ralos e desgrenhados, exceto acima das orelhas onde um tufo denso de cada lado lhe empresta um ar desequilibrado. Sobrancelhas espessas se unem por sobre os olhos.
            -Quem é você? – pergunto.
         -Eu sou ninguém! – exclama ele incontinenti – Ou talvez seja você. Mas posso ser o palhaço. E agora?
             Agora percebo o nariz de palhaço. Sei que não estava ali antes. Simplesmente apareceu. Começo a ficar inquieto. Percebo o medo se avizinhando. Não respondo sua pergunta. Apenas faço outra.
             -O que faz aqui?
          Também não me responde. Afasta as mãos das costas lentamente. Na esquerda uma longa faca pende e displicente brilha na luz tênue. Agora estou apavorado. E corro. Novamente a sucessão de portas e corredores. Não olho para trás. Mas pressinto sua aproximação. Um novo corredor e avisto uma porta vermelha. Talvez por ser diferente ou porque assim tem que ser; abro e entro.
            Saio diretamente em um picadeiro. Adiante arquibancadas e atrás uma parede cinza. Não há outra porta. Corro até o ultimo degrau, viro e me encosto na parede, ofegante. Vejo a porta se abrir e ele entra. Agora não corre, sabe que não tenho aonde ir. Caminha lentamente de novo e começa a subir. As mãos pendem ao lado do corpo. A faca esta lá, do lado esquerdo. No rosto o sorriso estático, o olhar fixo em mim. Aproxima-se até o degrau inferior da arquibancada, mas mesmo assim seu olhar é retilíneo ao meu.
              Então me diz por entre um esgar de riso amarelecido:
              -Eu sou o principio e o fim em si mesmo.
           Não digo nada. O pavor é absoluto. Ele levanta o braço esquerdo, lançando-o atrás da cabeça. Percebo a força brutal do golpe quando o braço é arremetido para frente. Acordo.


  • (sonho verídico ocorrido com o Andarilho de quatro para cinco anos.Este pode ter sido o princípio da consciência ampliada. Mas houve mais antes...)

    (R. Moran)


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segunda-feira, 25 de março de 2013

Reflexões do Tempo II

Reflexões do Tempo II
 
         A vida é cíclica, é fato! Imersos na poderosa Roda de Sansara, vamos conjecturando os fatos que se repetem, até que entendamos sua necessidade de desprendimento das formas-pensamento que nos agrilhoam ao passado. E por ser cíclica, por ser poderosa, por sermos ainda o aro desta roda a girar interminavelmente, nos deparamos vez por outra com os fantasmas do passado. E percebemos que, ainda que semelhantes, são diferentes na forma como absorvemos sua dor... cada vez mais tênue, cada vez menos infectante, menores as cicatrizes. E então a mágica acontece... um dia acordamos e não nos lembramos mais porque pensávamos que aquela dor era tão importante. E se ela insiste em nos afrontar, se ela insiste em se repetir a despeito dos personagens diferentes, percebemos que nossa capacidade de contraponto é maior na medida em que incorporamos o martelo e a bigorna na forja a nos moldar em algo melhor. O aço para brilhar necessita de muito fogo a arder, muito repicar de martelo na mesa de ferro que é nosso existir. Março era um desses fantasmas a nos torturar. Mais uma vez março voltou. Mais uma vez a dor se repetiu no mesmo palco. Mas desta vez algo mudou. Talvez seja o calejamento a tornar a casca dura. Talvez seja uma forma-anjo que se prenuncia.Talvez seja uma amiga, pessoa ou palavra, que nos encontra numa esquina e nos ensina que viver vale a pena, que o amar vale a pena. Penso que, de verdade, seja o conjunto de tudo isto e de muito mais que não adivinho. Por isso março não assusta mais, não assombra mais, não atormenta mais...
 
 
 


Inquieta despedida




Atravesso as tábuas em ruínas

do que foi meu porto um dia

Deixo atrás doloridos abismos

e um viver que só a ti destinas
 

- por mais, não sofrerei!


Me afasto da dor que era constante

de braços dados ao silêncio e ao tempo

na fria cova de março permanece

o meu querer ora morto, ora distante


- por mais, não chorarei!



Vais cada dia mais longe de mim

e por mares noturnos em que navego

do que eras clara e tonta alegria

restou a sombra de um sonho ruim


- por mais, não sonharei!


Nesta inquieta e calada despedida

sigo partindo sem marcas de volta

e pelo silencioso perigo deste mar

vou por rota incerta, desconhecida


- por mais, não desesperarei!


O tempo navegado não se pode calcular

por espumas da vida e furiosas tormentas

à procura de braços e desejo de calmarias

sigo incontinente tentando encontrar

um novo porto, um novo lugar


- por mais que não, chegarei!



Março/2012
(R. Moran)
Da série: Coisas a dizer... para quem foi e quem vem depois


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sexta-feira, 8 de março de 2013

Reflexões do Tempo I

Reflexões do tempo I


Existem tantas coisas escritas na alma que não cabem em mim... e por vezes transbordam em letras vermelhas no branco do papel. São vertidas no silêncio da noite, na solidão da calma e no escondido das horas.  Nascem sem pedir licença, abruptas, e chocam por vezes pela crueza com que se mostram. Assustado pelo reflexo interior de mim mesmo, cubro o espelho e me resguardo. Aos poucos porém, um crescente incômodo se faz presente. Do incômodo passa-se a dor, até que não é possível mais ignorar aquilo que grita e necessita sair dos muros. Aos murros brota das fendas do pano esgarçado pelo tempo, e convertido em símbolos renasce para com suave alívio transmutar o que era aflição. Assim posto, posto nesta série de reminiscências de um passado que insiste entre fazer e diluir,o cunho das marcas e cicatrizes que vão n'alma de um louco e apaixonado pela vida poeta...
 
 
 

 
Nada e Tudo



 


Já lhe foi dada a esperança, mas a mim, sim!

– muita fúria, calúnia, insensata descrença.

No vento frio da lembrança que sopra e não retorna

desfaz-se como pétalas mortas de existência

teu rosto que se descolore e pálido perde a forma!



Já lhe foi dada a crença, mas a mim, basta!

– Do gosto amargo dos venenos humanos

à mais pura taça a verter a dor que entornas.

Por detrás de acusações tortas, fechas a porta

para a paixão que se vai... e triste não volta!



Perdidas as horas pelas casas do relógio,

se longe vais, oh madrugada, porque tardas o dia?

Os açoites que acompanham teus passos que partem

não escondem as sombras que lhe fazem companhia

e cobrindo a luz de teus olhos, teu brilho esmaecem.



Tudo leva o roldão do tempo, tristes lábios que calam

sussurros em campos longos e vagos que desaparecem

Longe, longe, ocultas em desvão solitário da alma

antigas lágrimas guardadas escorrem e depois passam

como flores que o inverno apaga e depois esquece.



E em nova noite que nasce e nada é insensato

do brilho da Lua ao crer em sonhos que crescem

meus sentidos de calma urgência vão a me dizer: 

 
- que Nada é o que ficou para trás,
 
- que Tudo é o que a frente me compesce.
 
Maio/2012
(R. Moran)

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sexta-feira, 1 de março de 2013

O Andarilho: Diálogo

O Andarilho: Diálogo
 





Andava pelo Vale das Sombras quando soube seu destino:

- “Como?” Perguntou o Sol indiferente para as areias.
- “Vendo.” Disse o corvo que adejava suas asas sobre o precipício.
- “Quando?” Perguntou a Lua para as estrelas  pálidas no céu.
- “Logo.” Disse o vento para as dunas melancólicas, escorregando por olhos vermelhos.
- “Quem?” Perguntou a nuvem que começou a verter lágrimas esquecidas.
- “Eu.” Respondeu o Andarilho, tão só quanto o deserto.
- “Por que?" Perguntou o rio, que de tão seco corria flutuando sobre pedras.
- “Pelo conhecimento.” Disseram os espinhos que dilaceravam as mãos daquele que colhia a única flor.
- “Onde?” Perguntou o trovão sem som, reverberando na fosforescência da alma.
- “Aqui.” Disse o Andarilho que parando suspendeu seu pensar... 

Depois que a Noite avançou selvagem sobre a vastidão do mundo, seguiu seu caminho sem olhar para trás.


(R. Moran)
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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pelas ruas do Santa Tereza



Pelas ruas do Santa Tereza



Eu estava machucado e deprimido

Eu não entendia o que eu sentia

Eu estava irreconhecível

para mim mesmo, pela dor

Eu vi o meu reflexo num espelho

E não conheci meu próprio rosto

Ah, irmã, você me encontrou a morrer

pelas ruas do Santa Tereza



Depois que você partiu

Eu andei pelas avenidas

Até que minhas pernas doessem

Eu ouvi as vozes de antigos amores

há muito idos, não mais sentidos

Agora a noite escuto o sangue

pelas minhas veias

e ele é negro e sussurrante

como a chuva ácida que cai

pelas ruas do Santa Tereza


Nenhum anjo virá nos receber

Somos só nos dois agora, minha amiga

E os meu sentimentos não

cabem mais em mim

Eu andei até não conseguir mais

Só para tentar fugir deste corpo

e encontrar um refúgio para a dor



A noite caiu, eu estou vivo

Eu não quero me sentir morrer mais

então me receba agora,minha amiga,

Com seu beijo fiel

E ficaremos assim,

um ao outro, sozinhos,

pelas ruas do Santa Tereza

 




Adaptado de Streets of Philadelphia, Bruce Springsteen



R. Moran

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