segunda-feira, 25 de março de 2013

Reflexões do Tempo II

Reflexões do Tempo II
 
         A vida é cíclica, é fato! Imersos na poderosa Roda de Sansara, vamos conjecturando os fatos que se repetem, até que entendamos sua necessidade de desprendimento das formas-pensamento que nos agrilhoam ao passado. E por ser cíclica, por ser poderosa, por sermos ainda o aro desta roda a girar interminavelmente, nos deparamos vez por outra com os fantasmas do passado. E percebemos que, ainda que semelhantes, são diferentes na forma como absorvemos sua dor... cada vez mais tênue, cada vez menos infectante, menores as cicatrizes. E então a mágica acontece... um dia acordamos e não nos lembramos mais porque pensávamos que aquela dor era tão importante. E se ela insiste em nos afrontar, se ela insiste em se repetir a despeito dos personagens diferentes, percebemos que nossa capacidade de contraponto é maior na medida em que incorporamos o martelo e a bigorna na forja a nos moldar em algo melhor. O aço para brilhar necessita de muito fogo a arder, muito repicar de martelo na mesa de ferro que é nosso existir. Março era um desses fantasmas a nos torturar. Mais uma vez março voltou. Mais uma vez a dor se repetiu no mesmo palco. Mas desta vez algo mudou. Talvez seja o calejamento a tornar a casca dura. Talvez seja uma forma-anjo que se prenuncia.Talvez seja uma amiga, pessoa ou palavra, que nos encontra numa esquina e nos ensina que viver vale a pena, que o amar vale a pena. Penso que, de verdade, seja o conjunto de tudo isto e de muito mais que não adivinho. Por isso março não assusta mais, não assombra mais, não atormenta mais...
 
 
 


Inquieta despedida




Atravesso as tábuas em ruínas

do que foi meu porto um dia

Deixo atrás doloridos abismos

e um viver que só a ti destinas
 

- por mais, não sofrerei!


Me afasto da dor que era constante

de braços dados ao silêncio e ao tempo

na fria cova de março permanece

o meu querer ora morto, ora distante


- por mais, não chorarei!



Vais cada dia mais longe de mim

e por mares noturnos em que navego

do que eras clara e tonta alegria

restou a sombra de um sonho ruim


- por mais, não sonharei!


Nesta inquieta e calada despedida

sigo partindo sem marcas de volta

e pelo silencioso perigo deste mar

vou por rota incerta, desconhecida


- por mais, não desesperarei!


O tempo navegado não se pode calcular

por espumas da vida e furiosas tormentas

à procura de braços e desejo de calmarias

sigo incontinente tentando encontrar

um novo porto, um novo lugar


- por mais que não, chegarei!



Março/2012
(R. Moran)
Da série: Coisas a dizer... para quem foi e quem vem depois


todos os direitos reservados ©

sexta-feira, 8 de março de 2013

Reflexões do Tempo I

Reflexões do tempo I


Existem tantas coisas escritas na alma que não cabem em mim... e por vezes transbordam em letras vermelhas no branco do papel. São vertidas no silêncio da noite, na solidão da calma e no escondido das horas.  Nascem sem pedir licença, abruptas, e chocam por vezes pela crueza com que se mostram. Assustado pelo reflexo interior de mim mesmo, cubro o espelho e me resguardo. Aos poucos porém, um crescente incômodo se faz presente. Do incômodo passa-se a dor, até que não é possível mais ignorar aquilo que grita e necessita sair dos muros. Aos murros brota das fendas do pano esgarçado pelo tempo, e convertido em símbolos renasce para com suave alívio transmutar o que era aflição. Assim posto, posto nesta série de reminiscências de um passado que insiste entre fazer e diluir,o cunho das marcas e cicatrizes que vão n'alma de um louco e apaixonado pela vida poeta...
 
 
 

 
Nada e Tudo



 


Já lhe foi dada a esperança, mas a mim, sim!

– muita fúria, calúnia, insensata descrença.

No vento frio da lembrança que sopra e não retorna

desfaz-se como pétalas mortas de existência

teu rosto que se descolore e pálido perde a forma!



Já lhe foi dada a crença, mas a mim, basta!

– Do gosto amargo dos venenos humanos

à mais pura taça a verter a dor que entornas.

Por detrás de acusações tortas, fechas a porta

para a paixão que se vai... e triste não volta!



Perdidas as horas pelas casas do relógio,

se longe vais, oh madrugada, porque tardas o dia?

Os açoites que acompanham teus passos que partem

não escondem as sombras que lhe fazem companhia

e cobrindo a luz de teus olhos, teu brilho esmaecem.



Tudo leva o roldão do tempo, tristes lábios que calam

sussurros em campos longos e vagos que desaparecem

Longe, longe, ocultas em desvão solitário da alma

antigas lágrimas guardadas escorrem e depois passam

como flores que o inverno apaga e depois esquece.



E em nova noite que nasce e nada é insensato

do brilho da Lua ao crer em sonhos que crescem

meus sentidos de calma urgência vão a me dizer: 

 
- que Nada é o que ficou para trás,
 
- que Tudo é o que a frente me compesce.
 
Maio/2012
(R. Moran)

* todos os direitos reservados ©
 

sexta-feira, 1 de março de 2013

O Andarilho: Diálogo

O Andarilho: Diálogo
 





Andava pelo Vale das Sombras quando soube seu destino:

- “Como?” Perguntou o Sol indiferente para as areias.
- “Vendo.” Disse o corvo que adejava suas asas sobre o precipício.
- “Quando?” Perguntou a Lua para as estrelas  pálidas no céu.
- “Logo.” Disse o vento para as dunas melancólicas, escorregando por olhos vermelhos.
- “Quem?” Perguntou a nuvem que começou a verter lágrimas esquecidas.
- “Eu.” Respondeu o Andarilho, tão só quanto o deserto.
- “Por que?" Perguntou o rio, que de tão seco corria flutuando sobre pedras.
- “Pelo conhecimento.” Disseram os espinhos que dilaceravam as mãos daquele que colhia a única flor.
- “Onde?” Perguntou o trovão sem som, reverberando na fosforescência da alma.
- “Aqui.” Disse o Andarilho que parando suspendeu seu pensar... 

Depois que a Noite avançou selvagem sobre a vastidão do mundo, seguiu seu caminho sem olhar para trás.


(R. Moran)
*todos os direitos reservados ©