Reflexões do Tempo II
A vida é cíclica, é fato! Imersos na poderosa Roda de
Sansara, vamos conjecturando os fatos que se repetem, até que
entendamos sua necessidade de desprendimento das formas-pensamento
que nos agrilhoam ao passado. E por ser cíclica, por ser poderosa,
por sermos ainda o aro desta roda a girar interminavelmente, nos
deparamos vez por outra com os fantasmas do passado. E percebemos
que, ainda que semelhantes, são diferentes na forma como absorvemos
sua dor... cada vez mais tênue, cada vez menos infectante, menores
as cicatrizes. E então a mágica acontece... um dia acordamos e não
nos lembramos mais porque pensávamos que aquela dor era tão
importante. E se ela insiste em nos afrontar, se ela insiste em se
repetir a despeito dos personagens diferentes, percebemos que nossa
capacidade de contraponto é maior na medida em que incorporamos o
martelo e a bigorna na forja a nos moldar em algo melhor. O aço para
brilhar necessita de muito fogo a arder, muito repicar de martelo na
mesa de ferro que é nosso existir. Março era um desses fantasmas a
nos torturar. Mais uma vez março voltou. Mais uma vez a dor se
repetiu no mesmo palco. Mas desta vez algo mudou. Talvez seja o
calejamento a tornar a casca dura. Talvez seja uma forma-anjo que se
prenuncia.Talvez seja uma amiga, pessoa ou palavra, que nos encontra
numa esquina e nos ensina que viver vale a pena, que o amar vale a
pena. Penso que, de verdade, seja o conjunto de tudo isto e de muito
mais que não adivinho. Por isso março não assusta mais, não
assombra mais, não atormenta mais...
Inquieta
despedida
Atravesso as tábuas em ruínas
do que foi meu porto um dia
Deixo atrás doloridos abismos
e um viver que só a ti destinas
Me afasto da dor que era constante
de braços dados ao silêncio e ao tempo
na fria cova de março permanece
o meu querer ora morto, ora distante
Vais cada dia mais longe de mim
e por mares noturnos em que navego
do que eras clara e tonta alegria
restou a sombra de um sonho ruim
Nesta inquieta e calada despedida
sigo partindo sem marcas de volta
e pelo silencioso perigo deste mar
vou por rota incerta, desconhecida
O tempo navegado não se pode calcular
por espumas da vida e furiosas tormentas
à procura de braços e desejo de calmarias
sigo incontinente tentando encontrar
um novo porto, um novo lugar
Março/2012
(R. Moran)
Da série: Coisas a dizer... para quem foi e quem vem depois
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