Sonho
do Andarilho(um possível prólogo)
– A VISÃO – “O
Olhar ao mundo”
I.
Na ilha (O Onírico)
Vejo. Estou em um
trecho de praia. Há uma réstia de luz empalidecendo os espectros
que formam a multidão a minha volta. Pondero que seja o entardecer.
O mar é revolto e quebra com força na areia próxima.
A
noite avança rapidamente. Agora o céu é negro. Nuvens cobrem toda
a extensão do firmamento. Não há lua, ou pelo menos sua
luminosidade não se faz presente.
Os espectros; pois é
assim que os vejo; são pessoas nitidamente desesperadas. Olham em
direção ao mar, agitam os braços, põem a mão na cabeça, gritam
apesar de não ouvi-las.
Estou calmo. Observo
o mar. Monstros pré-históricos revolvem as águas a minha frente.
No céu pterodáctilos voam.
Apesar da escuridão,
diviso uma ilha a frente. Não está mais do que 600 metros da praia.
-
Preciso ir até lá. – Digo a ninguém em especial.
Não tenho medo. Entro na água e não sinto frio. Tampouco os animais me
assustam ou me atrapalham. Nado em linha reta ignorando as águas
revoltas ou a correnteza do mar. Chego a ilha. A ilha é um
promontório rochoso. Sua extensão é de aproximadamente 200 metros.
No centro, uma construção quadrada ocupa todo espaço. Suas paredes
são cinzas. O teto é reto; não tem telhas. Apenas uma porta de
madeira velha dá acesso ao interior. Depois, não há senão mais
rochas, o mar e a escuridão.
Caminho
em direção a porta. Vejo que não há trancas ou fechadura. Abro e
entro. Um longo corredor está à frente. À direita e a esquerda
inúmeras portas. Ando e abro uma aleatoriamente. Outro corredor e
mais portas.
A
luminosidade é fraca. Lâmpadas mortiças permeiam o teto de laje.
Percebo que o interior da construção é maior do que o externo
permitia vislumbrar. Não entendo e também não me importo com este
detalhe absurdo.
Após
sucessivas portas e corredores perco a noção de direção; não sei
para onde estou indo, onde está a saída. Estou em um labirinto; é
fato. Outra porta e outro corredor. Porém neste diviso um vulto ao
fundo. Caminha lentamente em minha direção, as mãos cruzadas
atrás. Olho com interesse e curiosidade. E só.
Para
a uma distancia de dois metros. Agora posso ver seu rosto. É homem;
aproximadamente 1 , 80 m. Sua roupa é cinza escuro. Nos pés velhas
botas militares. Seu rosto é anguloso, todo enrugado, com manchas
pardas e verrugas peludas. Isto onde a barba espessa e suja permite
divisar. O sorriso que chega não tem sentimentos. É falso, assim
como seus olhos, que são amarelos e permeado de veias injetadas e
finas. A boca é sem cor, lábios finos e cortados nos cantos. Os
dentes também amarelados e cariados. A cabeça parece um ovo. Os
cabelos são ralos e desgrenhados, exceto acima das orelhas onde um
tufo denso de cada lado lhe empresta um ar desequilibrado.
Sobrancelhas espessas se unem por sobre os olhos.
-Quem
é você? – pergunto.
-Eu
sou ninguém! – exclama ele incontinenti – Ou talvez seja você.
Mas posso ser o palhaço. E agora?
Agora
percebo o nariz de palhaço. Sei que não estava ali antes.
Simplesmente apareceu. Começo a ficar inquieto. Percebo o medo se
avizinhando. Não respondo sua pergunta. Apenas faço outra.
-O
que faz aqui?
Também
não me responde. Afasta as mãos das costas lentamente. Na esquerda
uma longa faca pende e displicente brilha na luz tênue. Agora estou
apavorado. E corro. Novamente a sucessão de portas e corredores. Não
olho para trás. Mas pressinto sua aproximação. Um novo corredor e
avisto uma porta vermelha. Talvez por ser diferente ou porque assim
tem que ser; abro e entro.
Saio
diretamente em um picadeiro. Adiante arquibancadas e atrás uma
parede cinza. Não há outra porta. Corro até o ultimo degrau, viro
e me encosto na parede, ofegante. Vejo a porta se abrir e ele entra.
Agora não corre, sabe que não tenho aonde ir. Caminha lentamente de
novo e começa a subir. As mãos pendem ao lado do corpo. A faca esta
lá, do lado esquerdo. No rosto o sorriso estático, o olhar fixo em
mim. Aproxima-se até o degrau inferior da arquibancada, mas mesmo
assim seu olhar é retilíneo ao meu.
Então me diz por entre um
esgar de riso amarelecido:
-Eu
sou o principio e o fim em si mesmo.
Não
digo nada. O pavor é absoluto. Ele levanta o braço esquerdo,
lançando-o atrás da cabeça. Percebo a força brutal do golpe
quando o braço é arremetido para frente. Acordo.
- (sonho verídico ocorrido com o Andarilho de quatro para cinco anos.Este pode ter sido o princípio da consciência ampliada. Mas houve mais antes...)(R. Moran)
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