sexta-feira, 5 de abril de 2013

Sonho do Andarilho


Sonho do Andarilho(um possível prólogo)




A VISÃO – “O Olhar ao mundo”


I. Na ilha (O Onírico)

Vejo. Estou em um trecho de praia. Há uma réstia de luz empalidecendo os espectros que formam a multidão a minha volta. Pondero que seja o entardecer. O mar é revolto e quebra com força na areia próxima.
A noite avança rapidamente. Agora o céu é negro. Nuvens cobrem toda a extensão do firmamento. Não há lua, ou pelo menos sua luminosidade não se faz presente.
Os espectros; pois é assim que os vejo; são pessoas nitidamente desesperadas. Olham em direção ao mar, agitam os braços, põem a mão na cabeça, gritam apesar de não ouvi-las.
Estou calmo. Observo o mar. Monstros pré-históricos revolvem as águas a minha frente. No céu pterodáctilos voam.
Apesar da escuridão, diviso uma ilha a frente. Não está mais do que 600 metros da praia.
            - Preciso ir até lá. – Digo a ninguém em especial.
         Não tenho medo. Entro na água e não sinto frio. Tampouco os animais me assustam ou me atrapalham. Nado em linha reta ignorando as águas revoltas ou a correnteza do mar. Chego a ilha. A ilha é um promontório rochoso. Sua extensão é de aproximadamente 200 metros. No centro, uma construção quadrada ocupa todo espaço. Suas paredes são cinzas. O teto é reto; não tem telhas. Apenas uma porta de madeira velha dá acesso ao interior. Depois, não há senão mais rochas, o mar e a escuridão.
Caminho em direção a porta. Vejo que não há trancas ou fechadura. Abro e entro. Um longo corredor está à frente. À direita e a esquerda inúmeras portas. Ando e abro uma aleatoriamente. Outro corredor e mais portas.
        A luminosidade é fraca. Lâmpadas mortiças permeiam o teto de laje. Percebo que o interior da construção é maior do que o externo permitia vislumbrar. Não entendo e também não me importo com este detalhe absurdo.
           Após sucessivas portas e corredores perco a noção de direção; não sei para onde estou indo, onde está a saída. Estou em um labirinto; é fato. Outra porta e outro corredor. Porém neste diviso um vulto ao fundo. Caminha lentamente em minha direção, as mãos cruzadas atrás. Olho com interesse e curiosidade. E só.
            Para a uma distancia de dois metros. Agora posso ver seu rosto. É homem; aproximadamente 1 , 80 m. Sua roupa é cinza escuro. Nos pés velhas botas militares. Seu rosto é anguloso, todo enrugado, com manchas pardas e verrugas peludas. Isto onde a barba espessa e suja permite divisar. O sorriso que chega não tem sentimentos. É falso, assim como seus olhos, que são amarelos e permeado de veias injetadas e finas. A boca é sem cor, lábios finos e cortados nos cantos. Os dentes também amarelados e cariados. A cabeça parece um ovo. Os cabelos são ralos e desgrenhados, exceto acima das orelhas onde um tufo denso de cada lado lhe empresta um ar desequilibrado. Sobrancelhas espessas se unem por sobre os olhos.
            -Quem é você? – pergunto.
         -Eu sou ninguém! – exclama ele incontinenti – Ou talvez seja você. Mas posso ser o palhaço. E agora?
             Agora percebo o nariz de palhaço. Sei que não estava ali antes. Simplesmente apareceu. Começo a ficar inquieto. Percebo o medo se avizinhando. Não respondo sua pergunta. Apenas faço outra.
             -O que faz aqui?
          Também não me responde. Afasta as mãos das costas lentamente. Na esquerda uma longa faca pende e displicente brilha na luz tênue. Agora estou apavorado. E corro. Novamente a sucessão de portas e corredores. Não olho para trás. Mas pressinto sua aproximação. Um novo corredor e avisto uma porta vermelha. Talvez por ser diferente ou porque assim tem que ser; abro e entro.
            Saio diretamente em um picadeiro. Adiante arquibancadas e atrás uma parede cinza. Não há outra porta. Corro até o ultimo degrau, viro e me encosto na parede, ofegante. Vejo a porta se abrir e ele entra. Agora não corre, sabe que não tenho aonde ir. Caminha lentamente de novo e começa a subir. As mãos pendem ao lado do corpo. A faca esta lá, do lado esquerdo. No rosto o sorriso estático, o olhar fixo em mim. Aproxima-se até o degrau inferior da arquibancada, mas mesmo assim seu olhar é retilíneo ao meu.
              Então me diz por entre um esgar de riso amarelecido:
              -Eu sou o principio e o fim em si mesmo.
           Não digo nada. O pavor é absoluto. Ele levanta o braço esquerdo, lançando-o atrás da cabeça. Percebo a força brutal do golpe quando o braço é arremetido para frente. Acordo.


  • (sonho verídico ocorrido com o Andarilho de quatro para cinco anos.Este pode ter sido o princípio da consciência ampliada. Mas houve mais antes...)

    (R. Moran)


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