sexta-feira, 8 de junho de 2012

Considerações sobre o viver

Considerações sobre o viver

“Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar....”




Terra. Ainda estou em terra. Toda hora acho que vou acordar de volta ao mar. Com o balanço das ondas e o cheiro peculiar de maresia a me inundar. Mas acordo e não há nada. Já estou aqui há alguns dias, esperando por meu navio. Se recuperando nos estaleiros de Aveiro após a grande batalha da última tempestade. E eu amolecendo. Cada minuto que fico em terra, fico mais fraco. Toda vez que olho ao redor, a sensação de aprisionamento aumenta. Que corredores me cercam? Que paredes me apertam nesta falsa hospedagem terrena? Penso que estou com a síndrome do marinheiro. Meu cérebro em conflito com meu corpo. Mas isto não é novidade. Ou não deveria ser.

Um sábio uma vez disse que repartir o pão com o inimigo é um gesto genuíno de um homem civilizado. E já que aqui estou, hoje quero que todos sejamos civilizados e que possamos repartir o pão. Que este tempo seja proveitoso de alguma forma. E seja porque cheguei até aqui; ou por assim ter me tornado por força de grandes esforços em entender a humanidade; proponho uma “negociação”. Negociação é uma discussão ou conferência entre inimigos sobre os termos da trégua. Não que os homens sejam meus inimigos; eu próprio um ser humano. Mas façamos um armistício só por hoje, baixemos a guarda, recolhamos as armas e apenas sentemos ao redor desta mesa e falemos sobre as coisas que realmente importam. Não sobre dinheiro, carreira ou a roupa cara sob os holofotes da vitrine. Falemos sobre a alma, sobre nossas dores e como resolver nossos conflitos, por exemplo.

Existe um conflito dentro de cada coração humano, entre o racional e o irracional, entre o bem e o mal. E nem sempre o bem triunfa num primeiro momento. As vezes, o lado escuro supera o que se convencionou chamar de “os melhores anjos de nossa natureza”. O lado escuro da Lua, do homem primitivo que habita em todos nós. Os homens rejeitam seus profetas e os executam, mas amam seus mártires e aqueles que executaram. Então qual é a diferença entre um profeta e um mártir? Nenhuma, já que todos acabam mortos. O mundo carrega tanta beleza quanto terror em suas entranhas, e o mais terrível é o homem. É o único entre as espécies que mata seu semelhante; que faz dele seu inimigo. Conhecemos o inimigo e não aprendemos nada sobre ele. Porque não conhecemos nem a nós mesmos. Precisamos entender que nós não caminhamos no escuro. Nós somos o escuro. Há coisas que os homens podem fazer que são decepcionantes para o espírito. Eu procuro aprender algumas coisas sobre mim e os homens. Sei que existem coisas que até podemos conciliar com Deus, mas conosco mesmo jamais. E a pior coisa que o ser humano pode experimentar não é ter seu corpo acabado, mas sua alma despedaçada.

Por isso devemos ter cuidado com as nossas ações. Mesmo as mais triviais. Devemos cuidar com quem embarca em nossos navios. Mesmo os mais aparentemente inofensivos. Que o ser humano é dotado de uma capacidade sórdida de causar danos. De maltratar sem outro motivo que não seja machucar. Mesmo quando dizem querer o bem. Principalmente quando dizem não querer magoar. Estes são os que mais mágoas provocam. Minha última tempestade é prova disso.

Não sei se, ou como está me vendo. Tristeza? Pena? Desprezo? Amor? Talvez indiferença. Acho que já sabe que não sou muito crente nos homens. Optei há muito por depositar minha fé em outro lugar. Nas coisas simples, no navegar pelo desconhecido, no por do sol além, no movimento da natureza, na natureza do amor. Por que os homens amam a dor? Por que se apegam ao sofrimento? E que desejos os motivam, os fazem viver? Eu gostaria de dizer que seria pelo desejo de ver o bem triunfando sobre o mal. Mas na verdade, entre uma grande massa de decrépitos, isso não parece se aplicar. Não sabem o que querem, para onde vão, suas pernas não sabem se estão a cavalo ou a pé, se estão caminhando vendo à frente ou ficando cegos. De qualquer forma, estão batendo as mãos e os pés, gritando e lastimando, seguindo e cometendo os mesmos erros de sempre e sem se perguntarem por um momento sequer o porquê. E quanto a nós? E quanto aos que acreditam em sonhos e poesias? Nos chamam de loucos, enquanto que eles, os certos, continuam a fazer bombas.


Existe uma lenda da tribo Hmong sobre uma águia gigante que se propõe a levar dois guerreiros até uma lua feita de ouro. No caminho os homens começam a se desentender e se tornam gananciosos. Finalmente lutam e um mata o outro, e então a águia come o sobrevivente em desgosto. Todas as fábulas Hmong são sobre a futilidade do ser humano.

Somos homens ocos, somos homens estofados, a cabeça cheia de palha. Eis nossa estirpe!Nossas vozes secas, quando sussurramos juntos, silenciosas e insignificantes como o rumor do vento nas folhas. Nossos pensamentos em formatos disformes, nossas sombras sem cor. Força paralisada, que gesticula sem se mexer na inutilidade do vazio.

Por isso vivemos em um círculo vicioso. Nossos pensamentos alimentam nossos medos. Nossos medos alimentam nosso instinto de sobrevivência. O instinto por sua vez alimenta nossa belicosidade pela luta em viver. A luta nos torna mais duros e nos faz ver em cada ser humano que se aproxima um inimigo. A visão deturpada alimenta nossos pensamentos, que tornam a alimentar nossos medos. Que nos vendam. Que nos impedem de enxergar o real. O que realmente importa.

Para romper este círculo vicioso seria preciso que nos despíssemos das vendas. Seria preciso querer ir além da boca da caverna. No mito da caverna de Platão, as pessoas que viviam na caverna apenas conheciam o que havia dentro daquelas paredes de rocha. Além da boca da caverna era o fim do mundo. Até que um dia um deles escapou de lá. Ele saiu e viu o mundo real; o sol, as cores, a vida abundante; voltou e contou aos outros. Então ele foi surrado, porque não acreditaram. “Não pode ser” - disseram. E por medo se recusaram a ir lá fora para verem o que havia. Sei que muitos; a maioria; não está pronta para ver o que há lá “fora”. Mas é preciso começarmos ao menos questionar. É preciso querer ver.

O desafio que agora enfrentamos é reconhecer que as respostas para as questões prioritárias à nossa vida podem estar na nossa frente. E não as vemos pela cegueira temporal que parece acometer grande parte dos homens. 


É pouco provável achar palavras certas para descrever o que é importante, para aqueles que não sabem o que é o amor. O amor verdadeiro. O amor tem várias faces e devemos conhecê-las todas, principalmente a que envolve a história entre o homem e a mulher. Mas temos medo de vivê-lo em plenitude. Acreditamos que o amor é finito, e portanto tende a morrer.

Não devemos temer o amor como se ele fosse um inimigo. Como se dele resultassem coisas ruins e desagradáveis. Isto é fruto único e exclusivo dos homens e da sua visão deturpada da vida. Como se o amor fosse uma guerra a ser travada. Como se houvessem vencedores neste embate insano. Falsa é a ostentação do vitorioso. Vazio nosso orgulho de vida. Para os que partiram de nossas vidas não há inferno ou céu, apenas um vazio. Que não pode ser preenchido até que cada um aprenda realmente o que é amar.

Muitas vezes o poder do amor pode ser maquiado com a retórica. Como um manequim em vitrine de loja posicionado sob as falsas luzes brilhantes da racionalidade mundana. Como se o amor fosse algo que pudesse ser vendido em uma boutique de luxo, ao invés de simplesmente ofertado e partilhado gratuitamente.

Na nossa vida somos capazes de nos maravilhar com inúmeras coisas que vemos. Ou pensamos ver. Enquanto alguns; como os cientistas; buscaram ver coisas cada vez menores, outros; como os astrônomos; buscaram ver o que havia cada vez mais longe, céu noturno adentro, indo e voltando no espaço e no tempo. Mas talvez o maior mistério não seja o pequeno ou o grande. Somos nós, em nosso interior. E ao olharmos para dentro de nós, seríamos capazes ao menos de nos reconhecer-nos? E se pudéssemos, realmente nos conheceríamos? O que diríamos a nós mesmos? O que aprenderíamos de nós? O que realmente gostaríamos de ver se pudéssemos parar diante de nós mesmos e nos olhar? Seríamos capazes de nos amar? Porque só podemos dar amor se o temos suficiente dentro de nós, e se nos amamos com tudo o que temos de bom e de ruim. Se amamos a nossa vida, o nosso viver, a despeito de como ele seja.

Mas as coisas melhorarão. O sol nascerá em um novo dia sobre o oceano. Sei que para muitos pode não parecer, mas esse amanhecer chegará. Há esperança. Talvez fale como um profeta. Que espera não ser surrado ou executado por aqueles que não acreditam. E aí penso que todo o sofrimento apercebido possa ter valido a pena. Porque não consigo pensar em um profeta; que valha algo; que não tenha sofrido. E também não consigo pensar em um que não tenha tido amor. Um imenso amor próprio, pela vida e pelo seu semelhante.

Eu tenho sonhos. Ontem eu tive um sonho. No sonho eu chegava até você e nenhuma palavra foi dita entre nós. Vinha de longo navegar, uma vida de labuta e sangue. Quando trevas e atribulações eram uma constante. E tudo; até aquele ponto; serviu para nos levar ao encontro e sabíamos haver pouco risco envolvido. Havia a sensação de um porto sempre seguro e perene. Então você disse: “Pode entrar, lhe darei abrigo das tempestades.” E ali sabia haver encontrado algo realmente importante.


Ah! São coisas da vida, daquilo que conta, daquilo que fica.


(Por hora me contento apenas em estar de volta ao mar...)


(R. Moran)
* todos os direitos reservados ©

2 comentários:

  1. Andarilho, que bom te ler! És tão sábio, um homem que parece saber tudo*...
    É preciso questionar, é preciso olhar em volta. Somos capazes de realizar o que pensamos, o que queremos fazer(?)
    Se quisermos, será que podemos fazer tudo??
    Somos nós em nosso interior(?)
    Fico tão confusa com tantos questionamentos, e Deus?
    Postei sobre Ele e seu Poder ...
    Já causei polêmica, e estou incomodada, se podes me visitar e me dizer o que entendes...por que é tão difícil acreditar no que não vemos?
    Queria me encontrar também!
    Abraços da Mery*

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  2. A lua só tem um lado escuro porque no outro brilha a magia que invade a noite;
    o homem - ser humano em essência- só conhece a dor, porque teve a coragem de amar;
    o desconhecido mar só nos atrai porque lá, muito além daquele fugidio horizonte, esperamos encontrar ...

    Somos AMOR: feitos pra amar.
    Que o Amor nos conduza até encontrar ou nos reencontrar...

    Beijo imenso!

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