Considerações sobre o viver
“Deixe-me
ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar....”
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar....”
Terra. Ainda estou em terra. Toda hora acho que vou
acordar de volta ao mar. Com o balanço das ondas e o cheiro peculiar
de maresia a me inundar. Mas acordo e não há nada. Já estou aqui
há alguns dias, esperando por meu navio. Se recuperando nos
estaleiros de Aveiro após a grande batalha da última tempestade. E
eu amolecendo. Cada minuto que fico em terra, fico mais fraco. Toda
vez que olho ao redor, a sensação de aprisionamento aumenta. Que
corredores me cercam? Que paredes me apertam nesta falsa hospedagem
terrena? Penso que estou com a síndrome do marinheiro. Meu cérebro
em conflito com meu corpo. Mas isto não é novidade. Ou não deveria
ser.
Um sábio uma vez disse que repartir o pão com o
inimigo é um gesto genuíno de um homem civilizado. E já que aqui
estou, hoje quero que todos sejamos civilizados e que possamos
repartir o pão. Que este tempo seja proveitoso de alguma forma. E
seja porque cheguei até aqui; ou por assim ter me tornado por força
de grandes esforços em entender a humanidade; proponho uma
“negociação”. Negociação é uma discussão ou conferência
entre inimigos sobre os termos da trégua. Não que os homens sejam
meus inimigos; eu próprio um ser humano. Mas façamos um armistício
só por hoje, baixemos a guarda, recolhamos as armas e apenas
sentemos ao redor desta mesa e falemos sobre as coisas que realmente
importam. Não sobre dinheiro, carreira ou a roupa cara sob os
holofotes da vitrine. Falemos sobre a alma, sobre nossas dores e como
resolver nossos conflitos, por exemplo.
Existe um conflito dentro de cada coração humano,
entre o racional e o irracional, entre o bem e o mal. E nem sempre o
bem triunfa num primeiro momento. As vezes, o lado escuro supera o
que se convencionou chamar de “os melhores anjos de nossa
natureza”. O lado escuro da Lua, do homem primitivo que habita em
todos nós. Os homens rejeitam seus profetas e os executam, mas amam
seus mártires e aqueles que executaram. Então qual é a diferença
entre um profeta e um mártir? Nenhuma, já que todos acabam mortos.
O mundo carrega tanta beleza quanto terror em suas entranhas, e o
mais terrível é o homem. É o único entre as espécies que mata
seu semelhante; que faz dele seu inimigo. Conhecemos o inimigo e não
aprendemos nada sobre ele. Porque não conhecemos nem a nós mesmos.
Precisamos entender que nós não caminhamos no escuro. Nós somos o
escuro. Há coisas que os homens podem fazer que são decepcionantes
para o espírito. Eu procuro aprender algumas coisas sobre mim e os
homens. Sei que existem coisas que até podemos conciliar com Deus,
mas conosco mesmo jamais. E a pior coisa que o ser humano pode
experimentar não é ter seu corpo acabado, mas sua alma despedaçada.
Por isso devemos ter cuidado com as nossas ações.
Mesmo as mais triviais. Devemos cuidar com quem embarca em nossos
navios. Mesmo os mais aparentemente inofensivos. Que o ser humano é
dotado de uma capacidade sórdida de causar danos. De maltratar sem
outro motivo que não seja machucar. Mesmo quando dizem querer o bem.
Principalmente quando dizem não querer magoar. Estes são os que
mais mágoas provocam. Minha última tempestade é prova disso.
Não
sei se, ou como está me vendo. Tristeza? Pena? Desprezo? Amor?
Talvez indiferença. Acho que já sabe que não sou muito crente nos
homens. Optei há muito por depositar minha fé em outro lugar. Nas
coisas simples, no navegar pelo desconhecido, no por do sol além, no
movimento da natureza, na natureza do amor. Por que os homens amam a
dor? Por que se apegam ao sofrimento? E que desejos os motivam, os
fazem viver? Eu gostaria de dizer que seria pelo desejo de ver o bem
triunfando sobre o mal. Mas na verdade, entre uma grande massa de
decrépitos, isso não parece se aplicar. Não sabem o que querem,
para onde vão, suas pernas não sabem se estão a cavalo ou a pé,
se estão caminhando vendo à frente ou ficando cegos. De qualquer
forma, estão batendo as mãos e os pés, gritando e lastimando,
seguindo e cometendo os mesmos erros de sempre e sem se perguntarem
por um momento sequer o porquê. E quanto a nós? E quanto aos que
acreditam em sonhos e poesias? Nos chamam de loucos,
enquanto que eles, os certos,
continuam a fazer bombas.
Existe uma lenda da tribo Hmong sobre uma águia
gigante que se propõe a levar dois guerreiros até uma lua feita de
ouro. No caminho os homens começam a se desentender e se tornam
gananciosos. Finalmente lutam e um mata o outro, e então a águia
come o sobrevivente em desgosto. Todas as fábulas Hmong são sobre a
futilidade do ser humano.
Somos homens ocos, somos homens estofados, a cabeça
cheia de palha. Eis nossa estirpe!Nossas vozes secas, quando
sussurramos juntos, silenciosas e insignificantes como o rumor do
vento nas folhas. Nossos pensamentos em formatos disformes, nossas
sombras sem cor. Força paralisada, que gesticula sem se mexer na
inutilidade do vazio.
Por isso vivemos em um círculo vicioso. Nossos
pensamentos alimentam nossos medos. Nossos medos alimentam nosso
instinto de sobrevivência. O instinto por sua vez alimenta nossa
belicosidade pela luta em viver. A luta nos torna mais duros e nos
faz ver em cada ser humano que se aproxima um inimigo. A visão
deturpada alimenta nossos pensamentos, que tornam a alimentar nossos
medos. Que nos vendam. Que nos impedem de enxergar o real. O que
realmente importa.
Para romper este círculo vicioso seria preciso que nos
despíssemos das vendas. Seria preciso querer ir além da boca da
caverna. No mito da caverna de Platão, as pessoas que viviam na
caverna apenas conheciam o que havia dentro daquelas paredes de
rocha. Além da boca da caverna era o fim do mundo. Até que um dia
um deles escapou de lá. Ele saiu e viu o mundo real; o sol, as
cores, a vida abundante; voltou e contou aos outros. Então ele foi
surrado, porque não acreditaram. “Não pode ser” - disseram. E
por medo se recusaram a ir lá fora para verem o que havia. Sei que
muitos; a maioria; não está pronta para ver o que há lá “fora”.
Mas é preciso começarmos ao menos questionar. É preciso querer
ver.
O desafio que agora enfrentamos é reconhecer que as
respostas para as questões prioritárias à nossa vida podem estar
na nossa frente. E não as vemos pela cegueira temporal que parece
acometer grande parte dos homens.
É pouco provável achar palavras certas para descrever
o que é importante, para aqueles que não sabem o que é o amor. O
amor verdadeiro. O amor tem várias faces e devemos conhecê-las
todas, principalmente a que envolve a história entre o homem e a
mulher. Mas temos medo de vivê-lo em plenitude. Acreditamos que o
amor é finito, e portanto tende a morrer.
Não devemos temer o amor como se ele fosse um
inimigo. Como se dele resultassem coisas ruins e desagradáveis. Isto
é fruto único e exclusivo dos homens e da sua visão deturpada da
vida. Como se o amor fosse uma guerra a ser travada. Como se
houvessem vencedores neste embate insano. Falsa é a ostentação do
vitorioso. Vazio nosso orgulho de vida. Para os que partiram de
nossas vidas não há inferno ou céu, apenas um vazio. Que não pode
ser preenchido até que cada um aprenda realmente o que é amar.
Muitas vezes o poder do amor pode ser maquiado com a
retórica. Como um manequim em vitrine de loja posicionado sob as
falsas luzes brilhantes da racionalidade mundana. Como se o amor
fosse algo que pudesse ser vendido em uma boutique de luxo, ao invés
de simplesmente ofertado e partilhado gratuitamente.
Na nossa vida somos capazes de nos maravilhar com
inúmeras coisas que vemos. Ou pensamos ver. Enquanto alguns; como os
cientistas; buscaram ver coisas cada vez menores, outros; como os
astrônomos; buscaram ver o que havia cada vez mais longe, céu noturno
adentro, indo e voltando no espaço e no tempo. Mas talvez o maior
mistério não seja o pequeno ou o grande. Somos nós, em nosso
interior. E ao olharmos para dentro de nós, seríamos capazes ao
menos de nos reconhecer-nos? E se pudéssemos, realmente nos
conheceríamos? O que diríamos a nós mesmos? O que aprenderíamos
de nós? O que realmente gostaríamos de ver se pudéssemos parar
diante de nós mesmos e nos olhar? Seríamos capazes de nos amar?
Porque só podemos dar amor se o temos suficiente dentro de nós, e
se nos amamos com tudo o que temos de bom e de ruim. Se amamos a
nossa vida, o nosso viver, a despeito de como ele seja.
Mas as coisas melhorarão. O sol nascerá em um novo
dia sobre o oceano. Sei que para muitos pode não parecer, mas esse
amanhecer chegará. Há esperança. Talvez fale como um profeta. Que
espera não ser surrado ou executado por aqueles que não acreditam.
E aí penso que todo o sofrimento apercebido possa ter valido a pena.
Porque não consigo pensar em um profeta; que valha algo; que não
tenha sofrido. E também não consigo pensar em um que não tenha
tido amor. Um imenso amor próprio, pela vida e pelo seu semelhante.
Eu tenho sonhos. Ontem eu tive um sonho. No sonho eu
chegava até você e nenhuma palavra foi dita entre nós. Vinha de
longo navegar, uma vida de labuta e sangue. Quando trevas e
atribulações eram uma constante. E tudo; até aquele ponto; serviu
para nos levar ao encontro e sabíamos haver pouco risco envolvido.
Havia a sensação de um porto sempre seguro e perene. Então você
disse: “Pode entrar, lhe darei abrigo das tempestades.” E ali
sabia haver encontrado algo realmente importante.
Ah! São coisas da vida, daquilo que conta, daquilo que
fica.
(Por
hora me contento apenas em estar de volta ao mar...)
(R. Moran)
* todos os direitos reservados ©
Andarilho, que bom te ler! És tão sábio, um homem que parece saber tudo*...
ResponderExcluirÉ preciso questionar, é preciso olhar em volta. Somos capazes de realizar o que pensamos, o que queremos fazer(?)
Se quisermos, será que podemos fazer tudo??
Somos nós em nosso interior(?)
Fico tão confusa com tantos questionamentos, e Deus?
Postei sobre Ele e seu Poder ...
Já causei polêmica, e estou incomodada, se podes me visitar e me dizer o que entendes...por que é tão difícil acreditar no que não vemos?
Queria me encontrar também!
Abraços da Mery*
A lua só tem um lado escuro porque no outro brilha a magia que invade a noite;
ResponderExcluiro homem - ser humano em essência- só conhece a dor, porque teve a coragem de amar;
o desconhecido mar só nos atrai porque lá, muito além daquele fugidio horizonte, esperamos encontrar ...
Somos AMOR: feitos pra amar.
Que o Amor nos conduza até encontrar ou nos reencontrar...
Beijo imenso!