"O Amor é um vício..."
Eu tenho um baú de sonhos encontrados, eu tenho um dia
e muitas noites
Eu tenho cintilações de rosa, azul e anil colores
Eu tenho visões de fogo fátuo, alhetas de vento sul
Eu tenho voo noturno em festivos hinos
Eu tenho um circo dentro de mim – Oh, cigarra
cantante – a me mostrar sabores
De figueira lampa, de figos turmalinos
Pois que então nenhuma força mundana ou desumana me
faça calar
Pois que o teatro do amor tem palco, bastidores, coxias
no ar
E as palmas da plateia apenas contemplam o ato encenado
Sem conhecer o humor ensejado no caminho espinho flor
Sem saber das lágrimas contidas na busca rara de ti
Sem ouvir os gritos estrídulos de fulgurante dor
Um que entontece e desaba ao chão
outro que espanta de rasgar d'alma, Solidão.
Solidão num mundo premente de germinações
Solidão à boca de pasmo, engolindo imensidão do
maravilhando mar
de horas que não cabem em mim, do muito que tenho
desejo de amar
e que me fazem subir lampejos de cristalino esgar, que
brotas do peito meu
Posto que oprimido coração não permite navegar
sem que lhe caiba a justa medida do lábio teu
De beijo que soma alheado poema
De outro que estalando, se transforma em fonema
Ah, tenho comigo que já não me basta salvar a fome
que canto
Faço-o simplesmente para salvar nossas vidas e o
assombro do manto
Que cobre de estrelas noites vazias
Que cobre feéricos gemidos de espanto
De saber salvo o que tens de apreço em mim
Do muito gozo que tenho em ti
A brisa da noite leve canta suada de corpos
entre beijos loucos, aperta o peito e me diz versos
roucos
Versos perdidos, versos de comunhão aprazível
Versos que não dizem nada e sejam o todo indizível
que somos
Onde já não me importam o nada, já não me importam os
críticos
Dissimulados do canto que faço, das linhas que eu
mesmo traço
Que falem de amor, palavras e gestos
Que caminhem por olhares e rumos incertos
E se você lê meus versos num papel
E se você acredita em contos de sonhos num abrigo
E se você escuta palavras em minha boca mel
E se você caminhando sentes que estás comigo
E se ainda assim não sabes o que te assoma...
saibas que existe um lado escuro no céu.
Por isso canto, e a nossa canção é tudo
Tem amor eterno fruto proibido
Tem calor e riso desinibido
Tem sussurros loucos de desejo
Tem gemidos rasgados e doce molejo
Mas tem ainda um tolo, um pouco de medo
E se um dia nosso amor cair doente, doente
E se um dia a represa romper de repente
E se num dia você vê desbotar o papel
E se em outro você grita e ninguém parece ouvir
E se minha ausência te faz explodir...
te verei no lado azul do céu.
Muito mais que um vício, meu amor é um caso
perdido...
(R. Moran)
Da série:
Coisas a dizer - para alguém que está por vir
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