Quando
os estranhos fazem falta...
A dor veio como nova tempestade para me tirar de meu
porto amigo. Que subitamente se tornou hostil e belicoso. Voltei mais
uma vez para fragoroso mar.
Viver é perigoso. Sabemos disso e a despeito disto...
vivemos. O conhecimento da vida; antes de ser um alívio; é um peso.
E quanto mais se sabe mais se é cobrado. Por isso somos tantas vezes
alijados em nossos sentimentos, em nosso querer; na incompreensão
dos reais desejos. Porque somos estranhos no ninho, e temos
dificuldade inata em encontrar um outro estranho que nos compreenda.
Somos complexos e consequentemente complicados. E as
criamos (as complicações), onde deveria ser mais fácil entender. O
ser humano é assim. Por isto me sinto cansado. Quase desesperançado.
Por tudo que falta...
Penso em um poema; um esforço hercúleo depois de doses
diversas de fel destilado, plantas lunares e cores da profunda noite
que se abate sobre mim:
“Falta amor, onde
desamores deslavras
Falta crença, onde se crias severa ilusão
Falta carinho, onde sobram duras palavras
Falta prioridade, onde somos tratados como opção”
Sei que sou complexo e
complicado. Definitivamente, não sou convencional. E há que se
pagar um preço por isso. Quantas e quantas vezes desejei ser normal.
Sem nada saber. Sem nada ver...
O
problema ou a solução, como queiram, é que vejo um mundo
maravilhoso... mas a primeira intenção é a que conta para a
maioria, infelizmente. E essa primeira intenção é castradora do
saber verdadeiro. Do que realmente importa. Nos deixamos vencer muito
facilmente porque é mais cômodo desistir do que lutar por nossos
desejos, na desculpa do outro ou dos fatos da vida. Que enxergamos por prismas que nos convêm.
Olho pela amurada do Navio Almirante, e o que vejo é um
céu noturno sem estrelas. O horizonte se descortina nebuloso por
trás de um véu líquido que toma meus olhos. Olho o mundo, e o que
vejo são perspectivas. Perspectivas que nos permitem ver as coisas
importantes, o que realmente vale a pena. O que não significa que
isso torne as coisas mais fáceis. Aliás, é sempre mais difícil
nos confrontarmos com nossos demônios interiores. Julgar e
sentenciar alguém nos torna Deuses, mas entender e perdoar nos torna
humanos. Nos faz enxergar no outro nossas próprias deficiências,
nos obriga a reconhecer o quão falhos somos e o quanto sofremos em
sermos relegados a condição de réu. E nem sempre gostamos de nos
reconhecer apenas... humanos.
Viver
é ter cicatrizes. No corpo, na mente, no coração e na alma.
Sobretudo na alma. Minha dor e poesia
transcorrem sem serem compreendidas pela maioria que é a totalidade
do todo que há em ti – vida.
Não rejeitou nada do que pôde trazer em seu caudal; aceitou a
paixão, abraçou o mistério, abriu caminho em meio as ondas de
tempestades e não refutou a dor quando de ti veio o desprezo pela
incompreensão. Cabe agora a mim apenas continuar amando e cantando,
sofrendo e lutando, provar do gosto do sangue e do fel que destilas
quando me calas. Porque já não posso me explicar, porque me faltam
palavras para justificar o que não precisaria ser justificado.
Apenas compreendido.
Cheguei
até aqui através de uma dura lição de vida e de busca, através
dos labirintos d'alma e do querer, do incessante movimento de fluxo e
refluxo na maré dos desamores, desencontros e desentendimentos. De
todos os fatos sopesados; desde os beijos até o pranto, desde o amor
até a solidão; perdura em mim a possibilidade do Sim, pois que a
vida já me tem um sonoro Não. Quando imersos em primavera tendemos
a esquecer do inverno, da falta que faz o amor ao coração humano.
Quando estamos longe dos rigores do deserto nunca nos lembramos do
doce da água que nos sacia. Minha luta neste mar tem sido assim até
agora, e pretendo mudar.
Quero
viver os dias de calmaria e ancoramento em doce cais; em mágica
ilha; mas sem esquecer dos rumos que me trouxeram até ali, das
tempestades vividas e dos amores perdidos. Quero sonhar viver sonhos
bons sem permitir me tornar amargo, sem me contaminar com a descrença, sem me
tornar menos humano e mais deus, e sem deixar de saber que
pesadelos rondam o caminho e é preciso estar vigilante.
O
sofrimento tempestuoso tem sido para mim uma importante lição de
viver. Chego até ele com o inerente cuidado de quem sabe o que me
aguarda, com o temor dos que sentem que são demais os perigos desta
vida. Mas – uma vez em teu seio – sinto-me transfigurado. Sou
parte viva deste mar, sou parte do Eu essencial, sou fruto da grande
árvore humana que anseia em ser mordido – mesmo que ferido de amor
– Ah! Tua sede de amar saciada...
Por
hora a dor e a solidão continuarão sendo minhas companhias
elementares neste oceano. Na dor minha vida se enriquece com o
marulhar fustigante das ondas contra meu casco. Na solidão
intriga-me e apaixona-me as nuvens escuras que chegam; das gotas que
se multiplicam neste horizonte oceânico que pesadas desabam sobre
mim; que elevam as ondas em desafio de morte no esplendor da espuma
marinha.
Mas
sei que aprendi muito mais na grande maré das vidas que atravessei,
da ternura e do amor vistos em olhos que me olharam ao mesmo tempo; ainda que por um fugaz momento... Esta mensagem não está ao alcance
de todos, mas quem a sentiu a guardará de alguma sorte em algum
recôndito da alma, e um dia quando a verdade vier à tona, viverá o
saber do que sofri, terás o entendimento que hoje falta, e torço
para que saibam lidar com todo este peso, devolvendo-o a vida em
forma de poesia e amar verdadeiros.
É
dilacerador e memorável ver o amor enclausurado dentro do meu Ser,
sabendo de suas possibilidades e de seu poder transformador, sem que
se lhe encontre onde depositar, sem que lhe haja sua contraparte a
uni-lo ao Todo. É quando os estranhos fazem falta. Mas este dia irá
chegar...
Agora
é noite. Estou sozinho e a tempestade dá mostras de se acalmar.
Talvez não fosses tão forte quanto julguei. Fecho os olhos e sonho
contigo chegando...
(da série Coisas a dizer: para alguém que está por vir...)
(R. Moran)
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